Preguiçosos
* Por
Gustavo do Carmo
Conheceram-se no
Instituto do Sono. Ele para investigar a causa do seu sono excessivo. Ela para
buscar uma cura para a sua insônia. Ele se chamava Pacífico. Ela, Sônia.
Pacífico era taxado de preguiçoso pela família. Sônia também. A moça não tinha
sono. Só não gostava de fazer as tarefas. Se necessárias, deixava sempre para a
última hora.
Sônia usava cabelos
curtos. Tinha preguiça de passar horas penteando. Cortá-los no salão era mais fácil.
Pacífico era careca. Para ele, a calvície foi uma benção. Só tinha o trabalho
de aparar os poucos cabelos que tinha.
Na clínica onde se
encontraram, Pacífico e Sônia conversaram muito antes da consulta. Uma conversa
preguiçosa, aliás. O papo durou muito tempo, mas as palavras trocadas foram
curtas. Apenas breves frases. Driblaram um pouco a preguiça e trocaram e-mails.
As conversas
preguiçosas por e-mail evoluíram para os papos pelo telefone. Estes evoluíram
para os encontros pessoais. Pacífico e Sônia iam ao cinema, ao teatro e
restaurantes. A amizade se transformou em romance. O primeiro beijo foi dado na
praça do bairro, depois que ambos venceram juntos a preguiça para se encontrarem
um com o outro.
Além da preguiça,
Pacífico e Sônia tinham outra coisa em comum: os dois eram funcionários
públicos. Trabalhavam durante meio expediente. Ele, de manhã, no Banco do
Brasil. Ela, à tarde, como arquivista de um posto de saúde. Ao final do
trabalho, Pacífico chegava em casa e ia dormir. Só acordava na hora da novela
das oito, à qual assistia da sua própria cama. Sônia chegava em casa à noite,
sentava-se no sofá e ficava o resto da noite no ócio. Como passaram nos
concursos? Na sorte.
Depois que se
conheceram no Instituto do Sono, Pacífico e Sônia foram curados dos seus
problemas. Ele passou a dormir menos. Ela deixou de ter insônia. Os dois só não
deixaram de ter preguiça.
Costumavam se alimentar
de pratos pedidos em delivery. No entanto, isso só acontecia quando a mãe idosa
de Pacífico não podia cozinhar. O mesmo
acontecia quando a empregada de Sônia faltava. Aliás, ela morava sozinha. E ele
com os pais.
O casal só driblava a
preguiça para se encontrar. Decidiram juntar suas preguiças e morar juntos. O
casamento veio bem depois. Quando os dois enfrentaram a preguiça para irem ao
cartório dar entrada na certidão. Casaram-se no civil porque tinham preguiça de
preparar a cerimônia e a festa.
Pacífico e Sônia
tiveram dois filhos: Serena e Morpheo. Ela adorava amamentá-las, pois podia
ficar sentada e relaxada. Quem fazia as papinhas, esquentava o leite, trocava
as fraldas e tomava conta dos meninos quando os pais estavam no trabalho era a
empregada do casal, que aliás, trabalhava para Sônia desde quando ela era adolescente.
Pacífico e Sônia só brincavam e lambiam as crias. A babá eletrônica, também, era
bem eficiente. As crianças cresceram sadias e preguiçosas.
Um dia, o apartamento
onde a família Pedreira (sobrenome de Pacífico) se incendiou. O curto começou
na tomada do carregador da babá eletrônica que, mesmo com o caçula Morpheo
tendo crescido até os oito anos, ainda era usada e ficava no quarto das
crianças. Pacífico, Sônia, Serena e Morpheo, reunidos na sala, sentiram algum
cheiro queimado, mas ficaram com preguiça de ver o que era. O fogo se alastrou
por todo o apartamento.
* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ.
Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores
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