Tiro certeiro na mosca
A escritora
norte-americana Ava Dellaira é uma dessas raras escritoras de “tiro certeiro”.
Explico. É das tais autoras que “acertam na mosca” logo no primeiro livro que
escrevem que, num piscar de olhos, se tornam, subitamente, badalado best-seller.
Óbvio que isso não ocorre, apenas, com a ala feminina da literatura. Há vários
escritores, mundo afora, na mesma situação. Convenhamos, isso não é lá tão
comum, e por “n” motivos. Os mais prováveis são falta de divulgação – ou esta
sendo inadequada (o que se verifica em praticamente 90% dos casos) – escolha de
temas que não chamem tanto a atenção do público, lançamentos feitos em ocasiões
inoportunas e vai por aí afora. É dispensável elencar todos os fatores que
levam algum autor ao fracasso, notadamente quando se trata do seu primeiro
livro. Quem já passou por essa decepcionante experiência sabe, de sobejo, a
causa, ou as causas disso.
Antes de tecer alguns
comentários sobre o romance de Ava Dellaira, permitam-me fazer uma pergunta
aparentemente ingênua e despropositada, mas que tem tudo a ver com este caso.
Vocês já escreveram cartas de amor para pessoas mortas? Não me refiro, aqui, a
nenhuma ex-namorada que tenha morrido, nem a um parente muito querido ou mesmo
a algum amigo, desses que consideramos como irmãos. Refiro-me a personalidades
públicas que vocês tenham “amado”, sem que nunca tivessem conhecido, algum
cantor ou cantora de rock, por exemplo, ou astro ou estrela do cinema, da
televisão, dos esportes, ou mesmo cientistas, compositores ou escritores? Da
minha parte confesso que nunca fiz isso. Mas Ava fez. E o enredo de seu
originalíssimo romance gira, exatamente, em torno disso. O título do seu livro,
como não poderia deixar de ser, é exatamente este, sem tirar e nem pôr. Ou
seja, é “Cartas de amor aos mortos” (ou, em inglês, “Love Letters to the dead”).
A originalidade,
contudo, não se restringe, apenas, ao tema e ao desenvolvimento do enredo. Vai
além, muito além. Exemplo? O modo de narração. É epistolar. A história é
totalmente narrada pelas cartas. E estas foram escritas não para personagens
inventados pela autora, mas para personalidades que, embora já mortas,
existiram de fato e foram ídolos de toda uma geração. Estão nesse caso (apenas
para citar alguns) figuras como Kurt Cobain, como Janis Joplin, como Amy
Winehouse ou como a aviadora Amélia Earhart. Isso tudo, porém é
contextualizado. Quem escreve as cartas, por exemplo, é uma personagem criada
pela autora, no caso, a adolescente Laurel, que é devidamente apresentada ao
leitor, assim como a motivação para seu inusitado exercício epistolar (pensando
em May, irmã mais velha, a quem era muito ligada e que morreu prematuramente).
As cartas são escritas
não porque a pessoa que as escreveu teve subitamente essa fantasia. Não foi
isso. Foram redigidas porque esse tipo de redação foi um trabalho de casa
exigido pela escola em que a mocinha estudava, proposto por determinada
professora, e valendo nota. Não darei mais detalhes do enredo do livro (que
está sendo lançado no Brasil pela Companhia das Letras) por razões óbvias.
Apenas acrescentarei que Laurel, ao contrário dos colegas de classe, não entregou
as cartas que escreveu para a professora. Transformou o caderno em que elas
foram escritas em diário. Como todo bom enredo, a adolescente é apaixonada por
um jovem colega, Sky, todavia não morto. Vivo. Vivíssimo por sinal. Pelo menos
no plano ficcional.
Consegui escassos
detalhes a propósito da autora, embora recorrendo ao sempre providencial “Google”.
Sei, por exemplo, que Ava nasceu em Los Angeles, mas não tenho a menor idéia de
quando, não sendo possível, portanto, determinar sua idade. Deduzo que se trate
de uma jovem, mas o quanto? Ignoro. Sei, também, que é formada pela
Universidade de Chicago, embora ignore em que curso. Que é mestre pela Iowa
Writers Workshop, mas não quando obteve tal mestrado. Sei, ainda, que cresceu
em Albuquerque, no Novo México e que reside, atualmente, em Santa Mônica, na
Califórnia, onde trabalha na indústria cinematográfica. Em que função ou empresa?
Ignoro!
Na carta escrita para
Kurt Cobain, Ava (na pele de Laurel) escreve, em certo trecho: “Ultimamente
tenho ouvido você de novo. Coloco In Utero, fecho a porta e os olhos e escuto o
álbum inteiro várias vezes. É difícil explicar, mas quando estou ali, ouvindo
sua voz, sinto que começo a fazer sentido”. Em outro trecho, confidenciou: “Não
sei por que, mas nesse lugar, cheio de desconhecidos, fico feliz que Sky e eu
estejamos respirando o mesmo ar. O mesmo ar que você respirou”.
Finalmente reproduzo o
trecho em que a personagem Laurel justifica porque não entregou o trabalho escolar:
“Hoje, no fim da aula, quando a senhora Buster pediu para entregarmos as
cartas, olhei para o caderno em que tinha escrito a minha e o fechei. Assim que
o sinal tocou, recolhi meu material e saí. Tem coisas que não posso contar pra
ninguém além das pessoas que já não estão mais aqui”. O fato é que Ava Dellaira
deu um único tiro, mas sumamente certeiro, pois acertou bem na mosca do
sucesso. Sabe-se que está escrevendo seu segundo romance, enfocando tema
atualíssimo, ou seja, as redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram
etc.etc.etc.). Fará sucesso como fez (e está fazendo) com “Cartas de amor aos
mortos”? Como saber?
Boa leitura.
O Editor
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O sucesso costuma ser inexplicável. Eu não me senti interessada em lê-lo, embora a sua apresentação tenha sido perfeita, e atiçado bastante a minha curiosidade.
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