Drama da vida real
Por Cecília França
"Era para ser um acerto de
contas entre ele e ela. A arma não seria usada, a não ser para intimidá-la.
Sabia que ela ficaria assustada e ouviria o que ele tinha a dizer. Sua resposta
não podia ser ‘não’ novamente. Ela tinha que entender seus motivos e aceitá-lo
de volta. Era para ser um acerto de contas, não fosse pela presença de um
repórter".
O relato acima poderia ter sido
feito com base no roteiro do filme "O Quarto Poder", estrelado por
Dustin Hoffman e John Travolta. Quem assistiu certamente se lembra da atuação
brilhante dos dois atores como repórter e seqüestrador (ou vítima?),
respectivamente. Mas o excerto também poderia ser o início de uma narrativa
sobre o cativeiro da menina Elóa, o mais longo da história de São Paulo, e que
se transformou em "caso Elóa" – como todos os crimes que são
explorados exaustivamente pela mídia.
O que as duas histórias têm em
comum, afinal? A espetacularização da mídia. Para quem não assistiu ao filme,
vai um breve resumo. O personagem de John Travolta acabava de ser demitido de
seu trabalho como segurança de um museu. Implorou à patroa que não o fizesse,
mas, diante de sua recusa e desesperado por não ter condições de criar os
filhos, ele retorna ao local, armado de uma espingarda, disposto a fazê-la
mudar de idéia.
Nesse mesmo momento, o repórter
derrotado, vivido por Dustin Hoffman, está fazendo uma reportagem acompanhando
a visita de crianças ao museu. Entediado, em um dado momento ele vai ao
banheiro e, pela fresta da porta, vê Travolta com a arma chamando a diretora
para uma conversa. Ele vê aí seu grande furo de reportagem e conseqüente volta
ao hall da fama jornalística.
Hoffman passa a transmitir pelo
celular o que seria um seqüestro à emissora de televisão em que trabalhava. A
partir daí, mesmo diante das repetidas afirmações de Travolta de que ele não
iria e não queria machucar ninguém – muito menos manter as crianças
seqüestradas – Hoffman o convence de que a transmissão ao vivo será melhor para
ele, bem como conceder-lhe "entrevistas exclusivas".
Ok. As semelhanças param por aí.
No filme, quem não saiu vivo dessa foi Travolta; na vida real, a menina Eloá.
Então por que co-relacionei as duas histórias. Porque a atitude da mídia foi
exatamente a mesma. Lindemberg, provavelmente, não tem a alma boa como o
personagem de Travolta, no entanto, assim como no filme, ele foi humanizado a
ponto de o público sentir pena dele.
Record, Globo, Rede TV, chegaram
ao absurdo de transmitir entrevistas com o seqüestrador. E ele aproveitou para
fazer exigências – como a volta ao cativeiro da menina Nayara, que acabou
também baleada. Não fosse pela mídia a polícia não teria feito tantas
concessões. Acredito nisso. Não que a PM tenha acertado. A meu ver, a
espetacularização partiu, primeiramente, da força policial. Era preciso 60
homens para dar conta de um seqüestrador amador? Creio que não.
Lindemberg entrou naquele
apartamento como o namorado largado e saiu, 100 horas depois, como o
protagonista do mais longo seqüestro da história de São Paulo. Com as bênçãos
da mídia, que agora o chama pelo nome. Lindemberg poderia querer apenas um
acerto de contas com Elóa. Ou talvez a matasse realmente. No entanto, mesmo que
o fizesse, que ele ficasse conhecido apenas como "o assassino da ex-namorada
de 15 anos" – como tantos outros homicidas – e não com a alcunha quase
heróica de "Lindemberg Alves, que realizou o mais longo seqüestro da
história de São Paulo".
* Jornalista
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