Amanhã que nunca chega
* Por Pedro J. Bondaczuk
A vida consciente e civilizada – não a animal e
instintiva, que nada analisa e percebe –
consiste em saber aquilo que se quer e sair em busca desse objetivo a
cada dia, tornando aproveitável o nosso maior capital: o tempo. Cada segundo é
importante. E, mais do que isso, é decisivo. Ninguém nos garante que não seja o
último.
Tenho reiterado essa afirmação até para que eu mesmo
me conscientize dessa verdade e deixe de ser dispersivo, perdulário ou
indolente. Não estou recomendando a ninguém que acalente pensamentos e
sentimentos mórbidos, ou a idéia fixa de que um dia irá morrer. Mas pensar
nessa possibilidade de vez em quando nos repõe na realidade. É, sobretudo, um
exercício de humildade que nos impede de acharmos que somos mais do que os
outros.
A atitude mais comum da maioria das pessoas é a de
adiar seus projetos para um amanhã que nunca chega. Adiam trabalhos, estudos,
tratamentos de saúde e até manifestações de sentimentos, positivos ou não. Agem
como se tivessem pela frente todo o tempo do mundo, a própria eternidade,
quando, obviamente, não têm.
Vivem empurrando soluções com a barriga para um vago
depois. Isto vale, também, para governos e instituições. Quem trabalha com
planejamento sabe quantos planos, que custaram horas e horas de trabalho de
equipes inteiras, acabam ficando esquecidos em arquivos ou gavetas, inúteis, à
espera de execução. Quando finalmente alguém se propõe a desengavetá-los,
já é tarde. Ficaram defasados quanto à oportunidade. E todo o esforço
acaba indo por água abaixo. Resulta em absoluta perda de tempo.
Quantos livros não deixam de ser escritos apenas
porque o escritor reluta em começar? Quantos quadros não deixam de ser pintados
pela mesma razão? Ou quantas músicas não deixam de ser compostas? Ou quantas
soluções não deixam de ser encontradas porque a análise de problemas é adiada
para mais tarde, para um amanhã que nunca chega, para a semana, o mês, o ano
seguintes, na verdade para o nunca? Somos, estranhamente, educados para adiar o
próprio ato de viver.
O escritor Stephen Leacock observa, com propriedade,
a esse propósito: "Quão estranha essa procissão da vida! A criança diz:
quando eu crescer. Mas que significa isso? Já crescido, o menino diz: quando eu
for moço. E depois de moço, diz: quando eu me casar. Mas, afinal de contas, que
significa, nesse caso, o matrimônio? A idéia muda para: quando eu me aposentar.
E, por fim, quando chega a aposentadoria, ele olha para trás, para o trajeto
percorrido; um vento frio parece varrer o terreno; sem saber como, ele o perde
de vista e tudo se vai. Muito tarde aprendemos que a vida consiste em viver, na
substância de cada dia e de cada hora". Convenhamos, não é o que fazemos.
Chegamos tarde demais a essa conclusão. Ou pensamos
que o seja. Ninguém sabe (felizmente) quanto tempo lhe resta. Há quem tente
reverter o que deixou de fazer no passado e comece, com 70, 75 ou 80 anos, a
perseguir seus sonhos.
Recentemente, um homem de 82 anos formou-se em
medicina na Alemanha. Após anos de adiamento desse projeto de ser médico, sob
pretextos vários, válidos ou não (se quisermos sempre arranjaremos uma desculpa
para tudo), concluiu que não teria nada a perder tentando. E se deu bem. Como
qualquer um de nós pode se dar, se quiser de verdade.
A ousadia para fazer o que achamos adequado vale
também para os sentimentos. Muitas pessoas são infelizes e solitárias porque
temem se expor. Secretamente, acalentam projetos de relacionamento. Mas vão
adiando sua execução, na medida do seu medo. Nesse aspecto, não há fórmulas
milagrosas e nem respostas definitivas.
Para saber se a convivência com uma companheira vai
dar certo ou não, não existe outro caminho senão tentar. E, como tudo na vida,
essa tentativa envolve riscos de fracasso. Mas tem, também, possibilidades de
êxito.
Há os que temem se expor. Sobre estes, Carol Lewis
escreve, em seu livro "Quatro Amores": "Se você quer ter a
certeza de conservá-lo intacto, não deve dar seu coração a ninguém, nem mesmo a
um animal. Evite quaisquer ligações, encerre-o em segurança no cofre do seu
egoísmo. Mas nesse cofre – seguro, escuro, imóvel e sem ar – ele se modificará.
Não se partirá; tornar-se-á inquebrantável, impenetrável, irremissível".
É dessa forma que determinadas pessoas agem, sem que
sequer se deem conta. Têm medo de se expor, mas não admitem. Temem tentar
conquistar seus sonhos. E para não ter que admitir esse gesto de covardia,
adiam tudo para um amanhã, que teima em não chegar. E a morte acaba chegando
antes...
* Jornalista,
radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual
Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do
Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova
utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Brilhante texto, meu caro! Induziu-me a profundas reflexões!
ResponderExcluirAdorei a parte da citação do "terreno vazio". É horrível escutar lamentações de quem não teve coragem.
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