Depois que as pedras rolaram em campo
* Por
Fernando Yanmar Narciso
Reza uma velha lenda
futebolística que o técnico Vicente Feola, que trouxe a taça Jules Rimet pela
primeira vez ao Brasil em 1958, tinha tanta confiança em seus comandados que
sequer se preocupava em assistir aos jogos da seleção brasileira na copa da Suécia.
Ele simplesmente fechava os olhos e tirava uma pestana de uma hora e meia,
deixando o resto por conta de Pelé, Garrincha e Cia. Afinal, quem tem Pelé e
Garrincha em campo tem tudo, né verdade?
Anos de distorção da
história pintaram o quadro fantasioso de que a seleção campeã na Suécia era
esse time imbatível, insuperável, que contava com o apoio irrestrito da torcida
desde o início, mais ou menos como foi feito com a “olimpiana” seleção de 1982.
Mas a realidade não podia ser mais distante disso. Pela primeira vez nas copas,
em 1958 houve um extenso preparo psicológico dos escretes participantes do
mundial.
Antes de sairmos do
Brasil, os reis do divã diziam para quem não quisesse ouvir que os jogadores
brasileiros, malandros, imaturos e que se tratavam quase exclusivamente por
apelidos, não possuíam o perfil psicológico de vencedores, e apenas o futebol
europeu possuía maturidade e rigidez militar necessárias para erguer taças. Com
isso, nossa torcida já se despediu do selecionado com certo pé atrás.
Os Freudianos de
rodoviária olharam pra cara de Pelé e Garrincha e, baseados na pouca idade e na
criancice dos dois, diagnosticaram que, com um time como aquele, a seleção nem
precisaria tirar as malas do avião. E bocas nunca foram tão bem caladas como
naquela copa! Zagueiros daquela época devem estar procurando até hoje as bolas
que Garrincha tirou de suas vistas, e o goleiro da Suécia deve ter se enforcado
na trave após levar aquele inesquecível “banho de cuia” de Pelé.
Em 62, quando trouxemos
o Bí, o Rei foi despachado da copa logo no segundo jogo por causa de uma
contusão. O país entrou em choque temporário, mas Garrincha, motivado por sua
paixão por Elsa Soares, prometeu que traria o caneco de presente pra ela e
assim o fez, ajudado pelo improvável Amarildo, substituto de Pelé, e pelos
outros nove companheiros de campo.
Depois do bicampeonato,
a seleção brasileira sempre teve algo a provar em cada copa. Precisamos tomar
uma surra do português Eusébio em 1966 na Inglaterra para João Saldanha e
Zagallo redescobrirem a fórmula mágica da vitória e brindarem o mundo com
talvez a maior seleção de futebol já treinada na história, capaz de pôr no
chinelo qualquer expoente do tal futebol-força.
A fórmula era muito
simples e devia continuar a ser seguida até hoje: O gol é tudo. O tricampeonato
e a taça Jules Rimet nos pertenciam desde o momento que nossos soldados
viajaram pro México! No entanto, teria sido mais saudável para o futebol
brasileiro se não tivéssemos adquirido uma obsessão tão grande pela vitória
após 1970?
Se a derrota para os
pés de Paolo Rossi na Espanha em 1982 não tivesse transformado o
tetracampeonato numa questão de honra, assim como o chilique de Ronaldinho em
1998 o fez com o penta em 2002, teríamos visto a mesma grande evolução do
futebol brasileiro que a Alemanha experimenta desde que foi vice na copa do
Japão/ Coreia do Sul? Enquanto o Brasil não se desvencilhar da mentalidade de
“vencer é tudo” de Ayrton Senna e redescobrir o prazer de competir e o espírito
esportivo, não haverá mudanças significativas a longo prazo no futebol
nacional.
Senti a cacetada tão
dolorosamente como todos vocês daquele fatídico 7 a 1 contra a Alemanha no
último dia 9 de julho, assim como os “modestos” 3 a 0 contra a Holanda dia 12.
Mas o choque de realidade é um mal necessário. Sem ele, continuaríamos com a
ilusória mentalidade de “com o brasileiro não há quem possa”. Assim como a
seleção, o brasileiro não sabe perder, não aprende com os próprios erros e vive
do romantismo de glórias passadas.
Primeiro temos de esclarecer
alguns tópicos. A seleção jogou mal nessa copa? Jogou. A seleção foi só emoção
e torcida em toda sua jornada? Evidentemente. Mas nada mudará o fato de que,
mesmo jogando pedra em campo, o Brasil conseguiu chegar à sua primeira
semifinal desde o pentacampeonato. É um fato que não devia ser apagado por
aquela histórica derrota!
Se com o que o
“estúpido” do Felipão e a “anta” do Parreira tinham em mãos conseguimos chegar
tão longe, imaginem se tivéssemos tido uma ou duas semaninhas a mais de treino?
A escolha da Granja Comary para servir de concentração provavelmente foi o
grande erro. Se em 2010 a seleção de Dunga parecia viver num bunker, lá em
Teresópolis até passarinho conseguia atrapalhar o treino pra bater selfies com
os jogadores.
Também pensemos assim:
A situação de nosso futebol, no momento, é péssima, mas imaginem como os
espanhóis, portugueses, italianos e ingleses, que amam o futebol tanto quanto
os brasileiros e foram despachados logo na primeira fase, devem estar agora.
Aquilo sim é orgulho ferido! A Espanha, caso tenham se esquecido, foi campeã em
2010, e vieram ao Brasil só pra levar porrada de todos os times, como uma anti-
Costa Rica!
E nós chegamos em 4º no
fim da maratona, gente! Para os países que saíram mais cedo, o Brasil tá é
reclamando de barriga cheia! Não deixemos o espetáculo nos enganar, caros
leitores. Não houve uma seleção que não tenha jogado mal nessa copa, mas a
ruindade da seleção brasileira, mesmo na derrota, conseguiu ser menor que a de
outros 28 países.
VIVA A COPA DO MUNDO!
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Escritor e designer gráfico. Contatos:
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O Facebook exigiu que a foto de David Luiz, em posição desfavorável, fosse retirada. Achei que acabou perdendo um pouco a força. Sobre o texto, bom resumão de Copas boas e ruins, mas discordo do final, pois acho que, se tivéssemos apanhado da Colômbia, teríamos sido poupados do doloroso vexame do 7X1.
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