A batalha na Criméia
* Por
Elaine Tavares
Na Rússia, a opinião da
maioria das pessoas comuns, é de que Putin está mais do que certo em defender o
povo da Crimeia. Segundo eles, a Crimeia sempre pertenceu a Rússia e só se
anexou à Ucrânia, numa divisão artificial feita durante o regime soviético.
"Quando a Crimeia foi cedida à Ucrânia ninguém imaginava que a URSS iria
se acabar um dia. Estava todo mundo junto". Por outro lado, a
"culpa" sobre tudo o que acontece agora é atribuída ao ex-presidente
Boris Ieltzin. Contam os russo que quando a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas se acabou, o então presidente da Ucrânia perguntou a Ieltzin se ele gostaria de ter
novamente sob o controle territorial da Rússia a região da Crimeia, e ele teria
dito que não. "Também naqueles dias ninguém imaginava que a Ucrânia seria
um dia governada por nazistas".
É por isso que a
opinião pública russa respalda as ações de defesa da Crimeia. Porque entende
que é dever do governo russo proteger os russos que vivem naquela região. No
geral, as pessoas mais simples, que estão no plano da consciência ingênua,
reputam a guerra à apenas esse ponto, sem levar muito em consideração os demais
motivos que levam, inclusive, os Estados Unidos a apoiarem o movimento
reacionário/nazista que hoje domina a Ucrânia. Não é levado em conta o fato de
a Ucrânia ser um espaço estratégico de dominação, não se discute o fato de o
conflito estar no centro de uma disputa de geopoder que envolve a Rússia e a
recusa do governo em ceder aos chamados de coalizão com a Europa, aliada
histórica dos Estados Unidos. Na verdade, a Rússia segue firme no propósito em
fazer parte de outro bloco de poder, que dialoga com os EUA, mas não se
subordina. O parceiro principal segue sendo a China, configurando assim o bloco
sino-russo que cresce em força. Um exemplo disso é o recorrido que Putin fez
nas últimas semanas pela América Latina, buscando atrair velhos aliados e
puxando novos parceiros para o bloco.
Nas cidades mais
distantes da fronteira com a Crimeia, a guerra é só uma coisa que acontece nas
telas da televisão. E ela só se concretiza nas famílias que têm algum parente
na região. Ainda assim, o apoio aos russos que vivem na Ucrânia é
incondicional.
Agora, com a notícia da
queda do avião da Malásia, supostamente derrubado por um míssil, a guerra de
informação esquenta ainda mais o conflito. De um lado, os neo-nazis que dominam
a Ucrânia acusam os pró-russos de terem disparado o também suposto míssil. Do
outro, os pró-russos acusam os neo-nazis de terem derrubado o avião pensando ser o que levava Putin de volta à
Rússia. A história toda é muito controversa. Primeiro porque não se tem certeza
de que foi um míssil que derrubou o avião. E segundo, porque as pessoas sabem
que na guerra, a primeira vítima é a verdade.
Basta recordar os
motivos que levaram os EUA à guerra com o Afeganistão ou o Iraque, todos eles
baseados em mentiras que, mesmo depois de terem sido desmascaradas, não mudaram
em nada o andar dos fatos. O Iraque foi destruído, o Afeganistão foi destruído
e os Estados Unidos nunca responderam
pelos crimes que cometerem e seguem cometendo nesses países.
O que se vê agora são
os blocos de poder se movendo do mundo, cada um tentando buscar mais força para
expandir seu domínio. Nessa movimentação, a conta sobra para alguns que,
desgraçadamente, estejam no caminho desses desejos. Assim, vê-se uma frente de
batalha na Palestina, com Israel buscando exterminar de vez o povo que
heroicamente resiste, sendo uma pedra no sapato para o bloco estadunidense que
quer dominar totalmente a entrada para o Oriente Médio, e outra frente na
Ucrânia que, sob o domínio neo-nazi, parceiro dos EUA, será um caldeirão
fervente na porta da Rússia, sempre a incomodar. O projeto do bloco EUA/Europa
é controlar o gás e se apropriar das riquezas mineirais e energéticas que são grandes
no país.
A guerra
"quente" está em ação e como sempre acontece, nenhum argumento moral
impedirá que as coisas sigam seu curso. Coisas "sem importância" como
a vida de centenas de milhares de pessoas não serão levadas em conta. O que
interessa mesmo é o tabuleiro de domínio que está à frente dos governantes. Lá
embaixo, na vida real, os "peões" são eliminados sem qualquer pudor.
Não está dado nas coerências operacionais dos que fazem a guerra o sentimento
de compaixão pelos que, para eles, só atrapalham o projeto de poder. Por isso
que clamar por paz ou justiça aparece quase como um gesto inútil, como tem sido
na luta pela desocupação do Iraque, Afeganistão e Haiti. Resta aos que sofrem
viverem sua dor em solidão.
Muita bomba vai rolar
no rastro de mais uma imolação feita em nome da guerra, como parece ser o caso
das 280 pessoas mortas pela queda ou
explosão do avião da Malásia. Seja lá o que for que tenha acontecido, tenha
sido um míssil ou um problema técnico, isso será usado por todos os lados para
reforçar os argumentos de cada um.
* Jornalista
de Florianópolis/SC
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