A fera está solta
* Por
Frei Betto
Eis que desperta o
dragão da inflação! E começa a escapar do controle do governo, livre da
precária jaula das políticas monetaristas que se recusam a mexer nas arcaicas estruturas
que sustentam a sociedade brasileira.
A principal vítima do
dragão desenjaulado é a classe média que, graças ao governo petista dos últimos
11 anos, ampliou o seu contingente. Hoje, a população brasileira é de 200
milhões, dos quais 108 milhões estão na classe média, integrada por famílias
com renda mensal de R$ 1.216 a R$ 4.256.
Graças às políticas
sociais, à facilidade de crédito, à desoneração de produtos da linha branca e,
sobretudo, ao aumento real do salário mínimo a cada ano, 55 milhões de
brasileiros migraram, na última década, da classe pobre para a média. Esses
emergentes movimentam, por ano, R$ 1,17 trilhão.
Diante do acúmulo da
inflação, que subiu 6,28% de maio de 2013 a maio deste ano e chegou a 8,99% no
setor de serviços, a fera à solta já abocanhou, no mesmo período, R$ 73,4
bilhões. O cinto começa a apertar...
A mordida do dragão só
não foi maior porque, apesar da jaula de portas abertas, a renda da classe
média continua a subir. Até quando? Pelo menos 10% das pessoas que integram
essa faixa de renda começam a escorregar para baixo, rumo à pobreza, atraídas
pela voracidade do dragão e pelos juros altos.
O governo, mestre em
pirotecnia economicista, sabe que, se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho
come. Se não elevar os juros (o que agora se evita), o dragão sai da jaula. Se
elevar, o dinheiro fica mais curto, pois o crédito encarece e as dívidas engordam.
O brasileiro está mais
cauteloso com as compras. A farra do carro novo perdeu fôlego. É verdade que a
classe média, que abrange 58% da população, ainda anda faceira: viagens ao
exterior, academia de ginástica, salão de beleza, shopping center...
Isto é mérito do
governo: dentro de qualquer barraco de favela são encontrados telefones
celulares, TV em cores, geladeira, máquina de lavar e fogão. E talvez, lá no pé
do morro, um carro estacionado. A vida dentro de casa é bem mais confortável do
que fora...
Se a classe média
brasileira fosse um país, ela integraria o G-20, o grupo das vinte nações mais
ricas do mundo. Figuraria em 12º lugar em população e seria a 18ª nação em
consumo. Porém, a desigualdade é gritante. Basta dizer que 43% dessa classe emergente
habitam o Sudeste do Brasil.
Se em nossos estádios
reina a FIFA, em nossa gente a situação não está nada fofa. Como canta Zeca
Pagodinho, “quem nunca comeu melado se lambuza até o pé”. O brasileiro
conquistou direitos pessoais nessa última década. Mas cadê os direitos sociais?
A saúde e a educação de qualidade, o saneamento, a segurança?
Cada trabalhador
destina 150 dias de trabalho apenas para pagar seus impostos. A mobilidade
urbana está cada vez mais engessada: carros demais, ruas de menos; ônibus
precários e caros; metrôs curtos e superlotados, insuficientes para absorver
tantos passageiros nas horas de pico.
Essa dificuldade de
transporte afeta o trabalho (atrasos, perda de tempo no trânsito, greves
periódicas) e a vida familiar. Com menos tempo para curtir a família, o
brasileiro exige que a escola, além de instruir, também eduque seus filhos...
Não seria mais sensato
deputados e senadores não defenderem a redução da maioridade penal, e sim da
jornada de trabalho, de modo que nossas crianças e jovens convivam mais com os
pais? Medida que, aliás, multiplicaria o número de empregos.
Ora, estamos em ano
eleitoral. Apesar de o dragão escancarar a bocarra, acredito que o governo não
contribuirá para aumentar a sua fúria, e tomará medidas paliativas, como evitar
reajustar o preço dos combustíveis.
Contudo, terá que
suportar a pressão das categorias profissionais que se julgam no direito de ver
seus salários corrigidos pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). E
haja manifestações, paralisações e greves! Aliás, um direito constitucional,
por mais que incomodem. E ninguém ostenta mais pós-doutorado em greves do que o
PT.
*
Frei Betto é escritor, autor de “O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre
outros livros.
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