O encanto e o desencanto da espera
* Por
Mara Narciso
A menina pobre foi de
ônibus, aos oito anos, ver o mar pela primeira vez. A distância percorrida e as
baldeações fizeram os 1050 km demorarem mais do que uma criança pode suportar.
Durante a viagem entre Montes Claros e Santos, o mar foi criado em sua mente,
baseando-se nas cenas de cinema e fotos. Mas a primeira olhada foi decepcionante,
porque estava chovendo, e a grandiosidade ficou escondida pela neblina, céu
baixo e o horizonte estreitado pela greta da janela do hotel. Mas foi só desta vez. Em todas as outras, o
mar Oceano Atlântico causa fortes impacto e emoção. É bom ver e respirar o mar,
além de respeitá-lo, pois, sua imagem poderosa e mutante pode levar alguém para
sempre.
Em 1965 uma moça linda
e casadoira se casou. Imperava costumes à semelhança do talibã. A vigilância
materna era imperativa para que a virgindade fosse mantida até a noite de
núpcias. Anos depois da grande noite, a agora mulher contava a sua decepção
pela espera, após dois anos de namoro e noivado: “imaginei que na hora
acontecesse algo excepcional, que os tambores rufassem, que os sinos tocassem,
mas nada aconteceu. Apenas uma pressão, algum desconforto, e tudo acabou. As
descobertas vieram depois, e aí sim, valeu a demora”.
A madrinha prometeu que
na próxima visita iria trazer uma boneca para a segunda filha do casal. A
menina tinha um boneco de borracha, Tonico, de braços colados e que tocava uma
buzina quando apertado. Ela não se desgrudava do filhinho, e até abriu um
buraco no lugar da boca, e na hora de ela comer, enfiava comida em Tonico, que
mofado, fedia. Semanas depois, quando a visita chegou, com um imenso pacote, a
menina vibrou e seus olhos se iluminaram. Tinha desprezado o boneco, jogando-o
fora. Mas o desapontamento não demorou, pois o presente não era um brinquedo, e
sim uma boneca japonesa de luxo, para enfeite. Consolou-se buscando no lixo seu
amado filhinho.
O amor de teclado pode
ser sonhador e mais intenso que o real. E por mais que as coisas andem rápido
com câmeras e fotos instantâneas, o frente a frente pode ser uma trombada num
poste, sendo impossível lidar com a frustração. Quando a realidade é um
desastre, a paixão virtual torna-se aquilo que foi sem nunca ter sido.
Após preparo, prova
dentro das expectativas, a espera pelo veredicto eleva o grau de ansiedade, com
idealização do que poderá vir a acontecer. Há aquela sensação especial que
antecede o clímax, com todo aparato mental e corporal. São comuns os devaneios,
e em alguns casos acontecem delírios diante do que poderá ser. Então, um mau
resultado num concurso de emprego ou no vestibular chega, levando ao
desapontamento e natural lamentação. O fim da espera pode ser muito pior do que
ela, embora muitos afirmem que detestam aguardar.
Uma moça se casa em
1940 e se muda do Ceará para o Mato Grosso, acompanhando o marido. Porém não
gosta do casamento, nem do lugar, nem da vida que leva e, desesperada, envia um
telegrama para a irmã em seu estado natal: “Maria do Céu, salta num Jipe e vem
me buscar”. Ah, como se fosse fácil fazer isso numa época em que nem estrada
havia. Na santa ingenuidade, muitas se casavam sem saber o motivo.
Pessoas que não sabem
dizer não, quando convidadas, dizem um sim dissimulado, que deixa a outra
idealizando o encontro que irá acontecer. A presença vai sendo imaginada,
deixando quem espera feliz, enquanto conta o tempo, e se prepara. Toma banho,
veste uma boa roupa, coloca perfume e enfeita a cara com o melhor sorriso. Mas,
a pessoa não aparece. A rejeitada procura explicar a demora, justificando para
si o injustificável, em cima do “quem quer, dá um jeito e quem não quer, arruma
uma desculpa”. Quando a ansiedade atinge seu grau máximo, não aguenta ficar
dentro da casa e vai para a porta da rua. Fica olhando ao longe, ora para um
lado, ora para o outro. A pessoa esperada talvez não apareça nunca mais. Os
olhos insistem em buscar no infinito aquela imagem, e com tal intensidade fazem
isso, que, mesmo em lágrimas, ardem de secos. O caminho está vazio. Lidar com o
desgosto exige ferramentas psíquicas adequadas. Quem opta por uma posição digna
deixa de lado o celular e não insiste mais.
É preciso enfeitar os
caminhos com flores, para poder lidar com os desenganos. Até os piores
pesadelos têm fim, porém, para ver o final é preciso ter coragem.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional,
membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico,
ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Expectativas, decepções, aprendizados... Assim vamos cumprindo nossa sina inglória! Abraços, amiga Mara.
ResponderExcluirVerdade, Marcelo. Quantos de nós secamos os olhos olhando lá adiante, à espera de uma pessoa que marcou e não veio? E que não virá nunca mais? E outras tantas vezes que nos frustramos em falsas expectativas? Pois é. O aprendizado acontece, mas pode ser bem doloroso. Obrigada por comentar.
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