quarta-feira, 16 de julho de 2014

O encanto e o desencanto da espera


* Por Mara Narciso

A menina pobre foi de ônibus, aos oito anos, ver o mar pela primeira vez. A distância percorrida e as baldeações fizeram os 1050 km demorarem mais do que uma criança pode suportar. Durante a viagem entre Montes Claros e Santos, o mar foi criado em sua mente, baseando-se nas cenas de cinema e fotos. Mas a primeira olhada foi decepcionante, porque estava chovendo, e a grandiosidade ficou escondida pela neblina, céu baixo e o horizonte estreitado pela greta da janela do hotel.  Mas foi só desta vez. Em todas as outras, o mar Oceano Atlântico causa fortes impacto e emoção. É bom ver e respirar o mar, além de respeitá-lo, pois, sua imagem poderosa e mutante pode levar alguém para sempre.

Em 1965 uma moça linda e casadoira se casou. Imperava costumes à semelhança do talibã. A vigilância materna era imperativa para que a virgindade fosse mantida até a noite de núpcias. Anos depois da grande noite, a agora mulher contava a sua decepção pela espera, após dois anos de namoro e noivado: “imaginei que na hora acontecesse algo excepcional, que os tambores rufassem, que os sinos tocassem, mas nada aconteceu. Apenas uma pressão, algum desconforto, e tudo acabou. As descobertas vieram depois, e aí sim, valeu a demora”.

A madrinha prometeu que na próxima visita iria trazer uma boneca para a segunda filha do casal. A menina tinha um boneco de borracha, Tonico, de braços colados e que tocava uma buzina quando apertado. Ela não se desgrudava do filhinho, e até abriu um buraco no lugar da boca, e na hora de ela comer, enfiava comida em Tonico, que mofado, fedia. Semanas depois, quando a visita chegou, com um imenso pacote, a menina vibrou e seus olhos se iluminaram. Tinha desprezado o boneco, jogando-o fora. Mas o desapontamento não demorou, pois o presente não era um brinquedo, e sim uma boneca japonesa de luxo, para enfeite. Consolou-se buscando no lixo seu amado filhinho.

O amor de teclado pode ser sonhador e mais intenso que o real. E por mais que as coisas andem rápido com câmeras e fotos instantâneas, o frente a frente pode ser uma trombada num poste, sendo impossível lidar com a frustração. Quando a realidade é um desastre, a paixão virtual torna-se aquilo que foi sem nunca ter sido.

Após preparo, prova dentro das expectativas, a espera pelo veredicto eleva o grau de ansiedade, com idealização do que poderá vir a acontecer. Há aquela sensação especial que antecede o clímax, com todo aparato mental e corporal. São comuns os devaneios, e em alguns casos acontecem delírios diante do que poderá ser. Então, um mau resultado num concurso de emprego ou no vestibular chega, levando ao desapontamento e natural lamentação. O fim da espera pode ser muito pior do que ela, embora muitos afirmem que detestam aguardar.

Uma moça se casa em 1940 e se muda do Ceará para o Mato Grosso, acompanhando o marido. Porém não gosta do casamento, nem do lugar, nem da vida que leva e, desesperada, envia um telegrama para a irmã em seu estado natal: “Maria do Céu, salta num Jipe e vem me buscar”. Ah, como se fosse fácil fazer isso numa época em que nem estrada havia. Na santa ingenuidade, muitas se casavam sem saber o motivo.

Pessoas que não sabem dizer não, quando convidadas, dizem um sim dissimulado, que deixa a outra idealizando o encontro que irá acontecer. A presença vai sendo imaginada, deixando quem espera feliz, enquanto conta o tempo, e se prepara. Toma banho, veste uma boa roupa, coloca perfume e enfeita a cara com o melhor sorriso. Mas, a pessoa não aparece. A rejeitada procura explicar a demora, justificando para si o injustificável, em cima do “quem quer, dá um jeito e quem não quer, arruma uma desculpa”. Quando a ansiedade atinge seu grau máximo, não aguenta ficar dentro da casa e vai para a porta da rua. Fica olhando ao longe, ora para um lado, ora para o outro. A pessoa esperada talvez não apareça nunca mais. Os olhos insistem em buscar no infinito aquela imagem, e com tal intensidade fazem isso, que, mesmo em lágrimas, ardem de secos. O caminho está vazio. Lidar com o desgosto exige ferramentas psíquicas adequadas. Quem opta por uma posição digna deixa de lado o celular e não insiste mais.

É preciso enfeitar os caminhos com flores, para poder lidar com os desenganos. Até os piores pesadelos têm fim, porém, para ver o final é preciso ter coragem.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Expectativas, decepções, aprendizados... Assim vamos cumprindo nossa sina inglória! Abraços, amiga Mara.

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    1. Verdade, Marcelo. Quantos de nós secamos os olhos olhando lá adiante, à espera de uma pessoa que marcou e não veio? E que não virá nunca mais? E outras tantas vezes que nos frustramos em falsas expectativas? Pois é. O aprendizado acontece, mas pode ser bem doloroso. Obrigada por comentar.

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