Revolução mundial?
A Revolução Francesa, cujo bicentenário foi comemorado com fausto e grandeza, em Paris, há já bom tempo, em 14 de julho de 1989, nasceu de uma situação parecida com a atual, que se verifica em várias regiões do mundo, embora, na época, ocorresse apenas em nível meramente nacional. Enquanto a massa, a grande maioria da população da França de então, de 1789, reclamava da falta de pão, os celeiros reais estavam repletos de trigo. E o rei Luiz XVI e sua consorte Maria Antonieta promoviam festas nababescas, caras e perdulárias.
Como
as comunicações via satélite reduziram o Planeta à aldeia global apregoada por
Marshall McLuhan, temos, em âmbito bastante ampliado, ou seja, mundial,
situação idêntica à da França quando da deflagração da tal revolução. A fome, o
desemprego, a falta de perspectivas de vida atormentam severamente a dois
terços da humanidade, enquanto o um terço restante segue, estupidamente,
incensando o “bezerro de ouro”, crente que a capacidade de tolerância ao
sofrimento dos desvalidos seja infinita e inesgotável. Mas não é. O nosso
tempo, aliás, é o das grandes contradições.
Nunca
se falou tanto, por exemplo, em direitos humanos e jamais eles foram tão
profusamente desrespeitados, aqui, ali e acolá. Basta que qualquer pessoa leia
os relatórios da Anistia Internacional para que venha a se inteirar da sucessão
de taras e de tarados que dão vazão, impunemente, aos seus desvios e desmandos,
aprisionando, torturando e matando semelhantes, usando, invariavelmente, como
pretexto a defesa da “liberdade” e da “democracia”. Ou seja, lançando mão de
duas palavrinhas tão prostituídas que até chegaram a perder o real sentido. Mas
a maioria da população mundial não sabe disso e, se sabe, encara essas
aberrações como “normais”. Óbvio que não são.
Os
acontecimentos dramáticos que se verificam, atualmente, no Leste europeu, por
exemplo, mais propriamente na Ucrânia e mais especificamente ainda na Criméia,
e a movimentação política que ocorre em alguns países-chaves da Europa
Ocidental vêm demonstrar, melhor do que nunca, que o tempo dos governos
autocráticos, que não dão ouvidos às bases, está chegando ao fim. O povo, pelo
menos nos países com maior tradição democrática, está redescobrindo sua força,
à revelia dos políticos. E onde não há um aspecto tradicional, as massas se
empenham por criar tal situação.
O
Estado existe, recorde-se, em função do indivíduo e não o inverso. É entidade
abstrata, composta por pessoas tais como nós, com as mesmas necessidades e
fraquezas que temos. O indivíduo, teoricamente, é seu grande beneficiário. Pelo
menos, deveria ser. Mas é? Raramente. Onde é, não passa de exceção, quando esse
princípio deveria ser a regra. Qualquer pessoa razoavelmente inteligente sabe,
ou intui, que o abstrato não pode se sobrepor ao concreto. Portanto, a
sociedade, que delegou poder aos que exorbitam, de forma corrupta e degradante,
de suas funções, tem o dever de cobrar deles.
Nos
tempos antigos, Cícero, em "De Legibus", já concluía, com rara
lucidez: "Se da reta razão resulta a lei e desta o Direito, este deve ser
igual para todos, assim como comum a todos é a fonte originária da razão
natural". Segundo Jellinek, as leis são ditadas pelo interesse geral. E à
maioria não interessa, óbvio, que haja torturas, degradações morais e execuções
arbitrárias como as que se denunciam na Síria, na Coréia do Norte, no Egito e
em tantas e tantas outras partes do mundo. Ainda mais quando esses crimes são
cometidos pelos que receberam (quando receberam) delegação popular exatamente
para coibi-los. Pior ainda é quando os criminosos usurparam o poder, à revelia
do seu legítimo dono: o povo. Os exemplos citados parecem ser os casos.
É
doloroso constatar-se que até países com grande tradição de respeito às leis
também lançam mão de expedientes que eles tanto condenam nos outros, nos fóruns
internacionais. Em raras ocasiões a paz foi tão apregoada, mas em nenhum
período da história houve tanta violência. Nos últimos 114 anos, além de duas
guerras mundiais, houve mais de 300 conflitos armados regionais, com cerca de 120
milhões de vítimas fatais. Poucas vezes se defendeu tanto a solidariedade, mas
o que vem prevalecendo, e se ampliando, é um individualismo exacerbado, um
egoísmo feroz, alienado, burro e desmedido.
É
dever dos cidadãos que vivem sob democracias estáveis a cobrança de explicações
de desvios de conduta de seus governantes. Que tais mazelas sejam exemplarmente
punidas, mas rigorosamente ao amparo da lei, acima da qual ninguém pode estar
(e exclusivamente sob sua égide) para que o exemplo de respeito à dignidade
humana frutifique e atinja comunidades mais atrasadas e carentes. Para que haja
parâmetro factível, que possibilite contínua evolução no campo do Direito. Para
que seja lançada a semente, pelo menos uma, que conduza a humanidade (mesmo que
isso venha a demorar um milênio ou mais) a uma era de compreensão e de
fraternidade, tendo a justiça por corolário.
Contradições,
infelizmente, eu poderia mencionar às centenas, senão aos milhares, cada uma
mais contundente do que a outra. Como, por exemplo, o fato de nunca antes o
mundo estar tão povoado – tem hoje mais de 7 bilhões de habitantes – e jamais,
nem nos tempos dos maiores desregramentos morais do fim do Império Romano,
haver tamanho apelo ao sexo irresponsável, fora do casamento, sendo usados,
para contrabalançar essa ausência de autocontrole, métodos bárbaros e criminosos,
tais como o aborto, para evitar nascimentos indesejados. E há (uma infinidade)
quem considere isso “normal”. Estamos ou não estamos, pois, à beira de nova Revolução, desta vez não localizada,
como a francesa, mas de abrangência mundial?
Boa
leitura.
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Editorial pesado, necessário e urgente. Vou compartilhar.
ResponderExcluirTema muito realístico e oportuno nos dias atuais. Todos deveriam ler esta matéria, todos, e vou dar uma forcinha compartilhando também.
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