A cultura na imprensa de papel
* Por
Urariano Mota
Quem se der ao trabalho
de ler os textos que se publicam na seção de cultura na imprensa, sentirá um
grande logro. Eles não cumprem o que anunciam no título, nem cumprem, quando
realizam algum nexo, algo que nos informe, que nos pague o tempo que perdemos em
percorrer suas linhas.
Sim, claro, isto é uma
característica geral de todas as seções da imprensa, das capas que nos enganam
à seção de esportes, dos programas de televisão ao abuso nos ouvidos, mais
conhecido pelo nome de rádio, “o seu companheiro de todas as horas”. Mas o
logro e o malogro das notícias culturais têm um quê de específico, uma
especialização nesse logro geral.
Em seus melhores
momentos, os textos na seção de cultura conseguem um voyeurismo, uma
indiscrição da vida privada dos famosos. “Isto também é cultura”, dizem os
editores, sem atentar para o significado particular dado a essa palavra,
confundida com os exames nos laboratórios de análises clínicas. Em seus piores
momentos, nem entre os resultados da matéria dos laboratórios tal cultura é
digna de aparecer. Falta-lhe um quê de justeza, de adequação, de confiança e
crédito no papel que estampam. Em lugar de um “Ácido úrico – 8,4 mg/dl, Método
uricase-PAP ”, seguido do diálogo
- Doutora, li no
resultado que o referencial desse exame para homem é no máximo 7,0 mg/dl... 8,4
já não é um número sombrio?
- Não... Isto pode ser
o seu estilo. Sossegue. É o seu way.
Em lugar disso, os
cadernos culturais, as seções de cultura julgam que arte e literatura são uma
coisa muito chata, aborrecida ao extremo, e por isso têm que ser tornadas
atraentes, que a poesia de Gabriela Mistral, por hipótese, se algum dia tiverem
de falar nessa coisa antiga e tediosa, somente seria compreensível, vendável,
se o texto adentrasse a sexualidade da poetisa. Daí que se vendam na revista
Veja como “Artes e Espetáculos”, em que nem são artes nem espetáculo, pelo
menos a que se assista com a inteligência.
A salvação poderia
estar nos jornais, nos cadernos semanais, de fim de semana. Em O Globo, temos o
Prosa & Verso, no Jornal do Brasil, o Idéias, na Folha de São Paulo, o
Mais! No entanto, o que se vê comentado em resenhas muito longe está da criação
do Brasil. Os “críticos” fazem uma linha de transmissão da indústria editorial.
Não há, na grande imprensa, um sujeito de fibra, de cojones, que se diga:
“Vamos ler isto, sem olhar para o selo editorial”. O resultado disso não é bom,
e nada de bom vem daí. Quem quiser saber o novo do Brasil, há de alcançá-lo por
meios marginais, pela web, por exemplo, porque a criação está fora do circuito.
O lugar insubstituível da literatura, como o lugar da reflexão sobre o destino
humano, na grande imprensa está fechado. Para a mídia, a criação está morta. É
impossível, tornou-se quimera acordar um dia e ler nas páginas de qualquer jornal
ou revista do Brasil algo como estas linhas de Manuel Bandeira
POEMA SÓ PARA JAIME OVALLE
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da
noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei.
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e
fiquei pensando...
- Humildemente pensando na vida e nas mulheres que
amei.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Vou de lugar comum mesmo, pois não sou Manuel Bandeira para esnobar originalidade de cabo a rabo: uma festa aos meus cansados neurônios. Obrigada pelo presente.
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