quinta-feira, 27 de março de 2014

A solidão que dói

O jornalista Mauro Santayana escreveu, em certa ocasião, em um de seus tantos (e lúcidos) artigos que a “educação para a vida deveria incluir aulas de solidão”. Não me recordo o título, a data e o jornal (ou revista) em que o texto que contém essa citação foi publicado e nem qual era sua contextualização. Só sei que o li, anotei, concordei com ele após refletir a respeito e peço licença para partilhar as reflexões que essa declaração me suscitou com vocês. Se tem uma coisa que raras pessoas sabem (se é que alguém saiba) esta é como conviver com a solidão. Eu, pelo menos, não sei. E faço o possível e o impossível para evitá-la, quando dá para fazer isso. Nem sempre dá.

Não me refiro àquela solidão ocasional, temporária, decidida por nós, aquela pausa que volta e meia reservamos para meditar, ler ou escrever. Essa sequer dói, pois sabemos que no momento que quisermos, poderemos romper esse isolamento, pela certeza de que em nossa casa estão pessoas que nos amam e nos completam. A dolorosa e angustiante, óbvio, não é esta. É a que às vezes somos forçados a suportar à nossa revelia. É a perda de uma pessoa querida, de cuja presença não poderemos mais privar, ou por algum tempo, ou por muito tempo ou para sempre, em virtude de viagem, de rompimento definitivo de um relacionamento ou, pior, da morte desse alguém que amamos. Essa solidão dói, e dói demais. E muitas vezes é dor incurável, mesmo que atenuada pelo tempo. É essa que precisamos aprender a administrar, de sorte que seja a menos dolorosa possível.

Admito que já escrevi muito a propósito e nunca consegui esgotar o tema. Desconfio que seja inesgotável. Abordei profusamente, e em diversas ocasiões, aquela solidão que sentimos, paradoxalmente, em presença de outras pessoas. Não é física, porém emocional. É caracterizada, principalmente, pela indiferença de quem amamos, mas que não nos entende e nem nós a entendemos. Essa, desconfio, é irremissível. Temos que suportar essa solidão, de preferência longe desse alguém – que amamos, que às vezes nos ama, mas  que está separada de nós por um abismo não raro intransponível.

A esse propósito, ou seja, sobre a necessidade do aprendizado para conviver com a solidão, lembro-me de uma composição muito antiga, de uns 60 anos ou mais, dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, intitulada, justamente, de “Preciso aprender a ser só”. Essa canção foi sucesso na voz de vários cantores diferentes, a começar por Maysa Matarazzo, passando por Ellis Regina, por Tim Maia e vai por aí afora. Para quem não a conhece, ou não se lembra dela, recomendo que a busque no Youtube. Não vai se arrepender. O que me chamou a atenção, óbvio, não foi a melodia, belíssima, mas letra, que diz:

“Ah, se eu te pudesse fazer entender
Sem teu amor eu não posso viver
Que sem nós dois o que resta sou eu
Eu assim tão só
E eu preciso aprender a ser só
Poder dormir sem sentir teu calor
A ver que foi só um sonho e passou
Ah, o amor
Quando é demais ao findar leva a paz
Me entreguei sem pensar
Que a saudade existe e se vem
É tão triste, vê
Meus olhos choram a falta dos teus
Esses teus olhos que foram tão meus
Por Deus entenda que assim eu não vivo
Eu morro pensando no nosso amor
Por Deus entenda que assim eu não vivo
Eu morro pensando no nosso amor
Ah o amor
Quando é demais ao findar leva a paz
Me entreguei sem pensar
Que a saudade existe e se vem
É tão triste, vê
Meus olhos choram a falta dos teus
Esses teus olhos que foram tão meus
Por Deus entenda que assim eu não vivo
Eu morro pensando no nosso amor.”

A solidão, por sinal, inspirou e continua inspirando poetas, de todas as gerações e de todas as partes do mundo. Os versos de alguns poemas são belíssimos e chegamos a decorar muitos deles. Mas o sentimento que os inspira é que são elas. Fugimos da solidão caracterizada pela perda de um amor, que não considero nada bela. Fazemos o possível e o impossível para nos livrar da que é causada pela incompreensão e falta de sintonia. E rogamos aos céus que nos livrem da solidão irreparável, que é a da morte de quem amamos.

Partilho com vocês dois poemas, referentes ao tema, compostos por poetas de épocas, países e estilos distintos, para ilustrar estas reflexões, que mostram, todavia, posturas parecidas face essa questão. O primeiro é do austríaco Rainer Maria Rilke e diz:

A Solidão

“A solidão é como chuva.

Sobe do mar nas tardes em declínio;
das planícies perdidas na saudade
ele se eleva ao céu, que é seu domínio,
para cair do céu sobre a cidade.

Goteja na hora dúbia quando os becos
anseiam longamente pela aurora,
quando os amantes se abandonam tristes
com a desilusão que a carne chora;
quando os homens, seus ódios sufocando,
num mesmo leito vão deitar-se: é quando
a solidão como os rios vai passando...”

O segundo poema é de Guilherme de Almeida, o campineiro que, quando vivo, ostentou o título de “Príncipe dos Poetas brasileiros”, exposto nestes termos:

Solidão

“Busquei meu semelhante.
Andei a vida,
andei o mundo:
andei o tempo,
andei o espaço.
Treva. Treva. Treva.
Acendi minha lâmpada.
Véu que saiu do meu corpo,
ritmo que saiu do meu gesto:
um crepe em vôo
atirou-se no chão,
subiu pela parede,
debateu-se contra o teto.

Nem minha própria sombra
se parece comigo”.

Diante do exposto, estou mais convicto do que nunca da exatidão da constatação de Mauro Santayana, de que a “educação para a vida deveria incluir aulas de solidão”. Resta saber quem seria o professor adequado, o habilitado a ministrá-las. Todavia, como os irmãos Valle ressaltaram, eu também “preciso aprender a ser só”. E como!!! E logo!!!

Boa leitura.


O Editor

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3 comentários:

  1. Em certos momentos a solidão é a melhor companhia, tanto quanto o convívio social e especiamente com a família. Excelente texto, como os demais, parabéns Pedro pelos 8 de o Literário. Abraço!

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  2. A solidão me distraiu de tal forma que não observei o aniversário de oito anos. Parabéns Literário! Parabéns Editor Pedro Bondaczuk.

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