Sejamos excêntricos
* Por Pedro J. Bondaczuk
O escritor Aldous Huxley, no
livro "Ronda Grotesca", afirma que "as coisas que importam
acontecem no coração" É óbvio que não se referia ao órgão, à bomba que é
responsável pela circulação do sangue através do organismo, mas da sede dos
sentimentos.
Esta introdução vem a propósito
da forma com que são tratadas determinadas pessoas consideradas excêntricas. Ou
seja, que agem de maneira diferente da comum, da convencional, da considerada
"normal" pela maioria.
Todos temos pequenas
excentricidades e raramente admitimos. Ao contrário, negamos enfaticamente. Uns
são diferentes na indumentária, outros no comportamento, outros nas idéias etc.
Essa postura contrária às convenções confere-lhes identidade. Distingue essas
pessoas da massa. Torna-as notadas.
A história registra excêntricos
célebres, como Salvador Dali, Albert Einstein, Winston Churchill (com seu
charuto e seu chapéu-coco) e o dramaturgo George Bernard Shaw (com suas tiradas
irônicas e inteligentes), entre milhares de tantos outros. Não seria essa
excentricidade uma forma de criatividade? Provavelmente.
A maioria das pessoas, contudo,
prefere julgar as outras pela aparência, em vez de tentar entender seus
sentimentos, suas motivações e de avaliar, sem preconceitos ou estereótipos,
suas ações. O que alguém veste ou deixe de vestir é irrelevante. As pequenas
excentricidades podem chamar a atenção, mas não deveriam contar na hora de
julgar alguém. Mas contam.
Os excêntricos até que são
engraçados. Há um episódio, ocorrido em meados dos anos 60, que quando me
recordo, não consigo deixar de rir, pelo inusitado da cena. Eu morava, na
ocasião, em uma república em Barão Geraldo, distrito de Campinas, que havíamos
batizado com o sugestivo nome de "Saudosa Maloca", em homenagem, é
claro, ao célebre samba de Adoniram Barbosa, popularizado pelo conjunto Os
Demônios da Garoa.
Certa tarde de domingo, um amigo,
a quem prezo muito até hoje, a despeito (ou talvez por causa) das suas
excentricidades, foi visitar-me, para conhecer o lugar em que eu residia, que
tinha uma certa fama, nos meios estudantis, por algumas características
pitorescas, que não vêm ao caso. Tratava-se de pessoa brilhante, culta,
fascinante, que cativava qualquer um com sua conversa inteligente e sempre
bem-humorada.
Em vários anos de relacionamento,
de uma sólida e profunda amizade, jamais havia testemunhado alguma atitude sua
que fosse, digamos, insólita. Comuniquei meus colegas de república, antes de
sua chegada, sobre a visita, pois queria apresentar-lhes esse amigo, sobre o
qual teci os maiores elogios.
Assim que o visitante chegou,
foram feitas as devidas apresentações de praxe.
---"Prazer! Eder!"---,
disse meu amigo, ao apertar as mãos do Jarbas.
---"Igualmente" ---,
balbuciou o mineirinho, que era de pouca conversa, principalmente com pessoas
estranhas.
O mesmo ocorreu com o Zé Formiga, o Gerson
Carioca, o Zito Baiano e o Barriga Verde, os respectivos apelidos dos meus
companheiros de república, cada qual a seu modo, uns com maior expansividade,
outros com alguma reserva.
Quebrado o gelo, a conversa rolou
animada. Falamos de política (tema tabu, pois estávamos em 1965 e vivíamos,
portanto, desde o ano anterior, sob a ditadura militar), futebol, namoro,
literatura, música, teatro etc.
De repente, sem nenhum aviso,
intempestivamente, o visitante foi para o meio da sala e plantou bananeira,
ficando nessa posição por alguns minutos. Foi um constrangimento geral. Ninguém
entendeu nada. Muito menos eu, o destinatário da visita que, sem jeito, não sabia
onde esconder a cara. As reações, como não poderia deixar de ser, foram as mais
variadas possíveis, de acordo com o temperamento de cada um.
O Jarbas pediu licença,
discretamente, e foi rir no banheiro. Apesar de se esconder, dava para se ouvir
perfeitamente o ruído das suas gargalhadas. Chegamos a pensar, até, que
estivesse passando mal. Depois, quando a
visita foi embora, o mineirinho explicou que o motivo de tanta risada não foi a
súbita cambalhota do visitante "meio maluco", mas a cara que eu fiz.
O Zito não se conteve e exclamou,
na bucha:
---"Ó xente, bichin!". Não
estava entendendo nada. Não sabia se o visitante era assim mesmo ou se estava
querendo gozar a nossa cara.
Posteriormente, vim a saber que o
Eder praticava ioga, e sempre na mesma hora. E quando chegou o momento da sua
prática, não quis nem saber onde estava, com quem ou o quê iríamos pensar.
Um excêntrico... Adorável
excêntrico do qual jamais consegui esquecer! Ridículo? Não! Apenas diferente!
Um homem fora do convencional.
Aliás, sobre isso, gostaria de
encerrar este pitoresco episódio da forma como o iniciei: citando Aldous
Huxley, que escreveu:
"Mas todo homem é ridículo
quando visto de fora, sem levar em conta o que lhe vai no espírito e no
coração. Pode-se transformar Hamlet numa farsa epigramática, com uma cena
inimitável, quando ele surpreende sua adorada mãe em adultério. Pode-se tirar o
mais gracioso conto de Maupassant da vida de Cristo, fazendo contrastar as
loucas pretensões do rabi com seu lamentável destino. É uma questão de
ponto-de-vista. Cada um de nós é uma farsa ambulante e uma tragédia ambulante
ao mesmo tempo. O homem que escorrega numa casca de banana e fratura o crânio,
descreve contra o céu, ao cair, o arabesco mais ricamente cômico".
Que vivam, pois, os excêntricos!!!
Antes eles, do que os pilantras, que atormentam, e tornam às vezes muito amargo
(ou seria azedo?) o nosso dia-a-dia, quando não toda a nossa existência!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Fora do centro, diferente, inesperado. Meu filho sempre foi assim.
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