Estranho no ninho
* Por Daniel Santos
Houve
antecedentes, sim. Por exemplo, a noite em que despertou esfaimado, e esfaimado
voltou à cama. “Falta comida”, alegou a mãe, embora ele soubesse que havia
ainda na despensa muito de comer.
E
assim foi a vida inteira. Não só a mãe, mas também pai e irmãos excluíam-no,
mais por indiferença do que por agressividade. Era como se não reconhecessem
nele um semelhante, o que mais tarde evidenciou-se.
De
fato, com o tempo, percebeu que seu rosto arredondava-se, enquanto o dos demais
estreitava-se como um focinho. Pior, ao contrário dele, glabro, sua família
cobria-se de pêlos por todo o corpo, hirsuta!
Entre
si, emitiam guinchos como roedores. Algo que constatou na noite em que
divertidas risadinhas atraíram-no aos fundos da casa. Lá, a desconcertante revelação: a família atirava
pedacinhos de pão a ... ratos!
Aos
ratos, alimento e carinho. A ele, olhares compreensivos que diziam “algum dia,
você teria de saber”. E não o escorraçaram. Mas, daí em diante, a porta ficou
sempre aberta para quando decidisse partir.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Misteriosa e estranha liberdade.
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