Pra mim, isso é grego!
* Por Fernando Yanmar Narciso
Discordem de mim se puderem, mas seria correto afirmar que a Grécia foi
o equivalente aos Estados Unidos na antiguidade. Ao abrir qualquer
enciclopédia, livro de história ou Wikipédia podemos ver que, se há ou houve um
país que fez da guerra seu hobby de final de semana, a terra do Monte Olimpo é
esse país. Havia até um ditado que os deuses haviam fornecido as rochas para
construir os portões de Termópilas, e os corpos dos inimigos vencidos
forneceram a argamassa para mantê-las unidas. Quando não havia um império
inimigo tentando invadir alguma província grega, elas simplesmente digladiavam
entre si, sem nenhum objetivo claro além da carnificina. Colônia de férias,
crianças!
Além da famosa guerra de Troia, que provavelmente só aconteceu na mente
de Homero, a mais famosa empreitada militar da antiguidade foi o embate entre a
Grécia e a Pérsia, atual Irã. Quando pequeno, o cartunista Frank Miller,
conhecido por seus quadrinhos revisionistas do Batman e pela série noir
sanguinária Sin City, era fascinado pelo filme Os 300 de
Esparta, de 1962, do diretor Rudolph Maté e estrelando Richard Egan no
papel de Rei Leônidas. Ele gosta tanto do filme que diz até hoje que, não fosse
por ele e pelo personagem Dirty Harry, de Clint Eastwood, dificilmente teria
seguido carreira no mundo dos quadrinhos, de tal forma que Sin City foi
a resposta dele aos filmes do detetive com o revólver mais fálico já projetado
e 300, de 1997, foi a sua versão “Mondo Bizarro” dos contos do
filósofo Heródoto.
Em 2006, o diretor Zack Snyder, até então conhecido apenas por rodar
videoclipes e filmes baratos de terror, usou tecnologia, na época, de ponta
para trazer às telonas a história dos guerreiros espartanos, fazendo
literalmente uma cópia quadro-a-quadro da graphic novel de Miller, criando um
estouro de bilheteria e um clássico do cinema cult. Revelando ao mundo os
talentos de Gerard Butler, Rodrigo Santoro, Lena Headey e Michael Fassbender,
num festival em tons sépia e vermelho-sangue. Em vez de usar clichês pré-estabelecidos
de filmes de ação, Snyder preferiu criar seus próprios clichês, como movimentos
vertiginosos de câmera, cenas de ação com mudanças bruscas de velocidade e
litros de sangue virtual jorrando na tela. Tudo isso e as falas mal escritas,
que sempre foram especialidade dele.
No entanto, aquele filme já foi lançado há bons oito anos e sua
tecnologia foi a muito superada. Nos dias de hoje, com séries de TV usando
“Snyderismos” a torto e a direito como A Bíblia e Spartacus,
qual seria a necessidade de fazer uma continuação de 300? Com
Snyder ocupado demais, tentando organizar o blockbuster Superman X
Batman, ele encarregou seu assistente, Noam Murro, da nobre missão de
dirigir a sequência que na realidade não é uma sequência, e sim as partes 1 e 3
de uma saga, comprimidas num único filme. Eu sei... Complexo, né? O caso é que
agora fizeram de 300 o “durante” da guerra e do novo filme 300:
A Ascensão do Império, o “antes” e “depois”.
Anterior à famosa guerra de Termópilas, onde Leônidas liderou sua guarda
pessoal de 300 homens e mais 7000 camponeses contra as forças do deus-rei
Xerxes, houve a batalha de Maratona, onde o general Temístocles (Sullivan
Stapleton) liderou as tropas atenienses contra uma tentativa de invasão da
Grécia pelo rei Dario I. Ao contrário dos espartanos, que são treinados para o
combate desde o berço, o povo de Atenas simplesmente se levanta em armas quando
preciso. Durante a batalha, Temístocles percebe o rei persa desprevenido sobre
sua embarcação e o mata com uma flechada, caindo nos braços de seu filho
(Rodrigo Santoro).
A colérica almirante Artemísia (Eva Green), grega a serviço dos persas,
influencia Xerxes a se render à morte para reerguer-se como um deus-rei (num
ritual de feitiçaria muito mal explicado, por sinal) e vingar a morte de seu
pai, destroçando a Grécia com o maior exército já reunido até então. Enquanto o
exército de Leônidas se esforça para segurar os persas em terra, Temístocles
usa de sua retórica para tentar unir e motivar as outras cidades-estado para
uma defensiva marítima. A diferença entre atenienses e espartanos é gritante e
bastante evidenciada com ajuda dos tratamentos gráficos: Se cada espartano
possui músculos dignos de um fuzileiro norte-americano, os “filósofos e
pederastas” da cidade rival são a própria definição de soldados rasos.
Mesmo assim, o eloquente general conseguiu segurar as pontas enquanto
pôde e tingir os mares gregos de vermelho-persa enquanto o resto do país não
vinha a socorro. Apesar de ter exatamente o mesmo visual do primeiro filme e de
terem de algum jeito colocado os personagens de agora interagindo com as cenas
antigas, em minha humilde opinião, A Ascensão do Impériofoi mais
bem realizado que a película de Zack Snyder, com menos exageros e sem criações
bizarras inexistentes na obra de Frank Miller, como o ogro azul indestrutível e
o homem-porco com um machado saindo pelo antebraço.
O roteiro é menos ingênuo e as falas, surpreendentemente, não soam
bobinhas como de costume nos filmes de Snyder. Ao contrário do anterior, que
tinha narração da primeira à última cena, aqui, apesar de ter sua importância,
a mesma não se mostra tão onipresente. A computação gráfica foi usada de um
jeito menos indiscreto também, de maneira que quase nos deixamos pensar que
aquelas localidades geradas em computador são reais! Mas podem ficar
tranquilos, pois o bom e velho banho de sangue e órgãos internos do filme
anterior, sua principal característica, continua são e salvo oito anos depois.
O mesmo não pode ser dito dos milhares de persas e gregos mortos em alto mar...
HAOOOOOOOOOH! HAOOOOOOOOOOH!!
*Designer e escritor. Sites:
Muito molho de tomate depois, o espectador ainda quer ver mais.
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