Tarde demais 24 – Confissão
Por
Gustavo do Carmo
Entrou na igreja.
Acomodou-se no confessionário e começou a lamúria.
—Padre, eu fiz
faculdade de comunicação com um rapaz e o esnobava um pouco. Ele não era muito
interessado em mim, mas em outra colega nossa. Só que acredito que se eu desse
confiança, ele se apaixonava por mim.
Laura deu uma pausa e o padre ficou quieto. Então
continuou.
—Nossas turmas se
separaram, fizemos matérias diferentes, nos formamos e perdemos contato. Eu
namorei um colega nosso da faculdade, mas larguei dele porque o cara era chato
demais como comunista e ainda me traiu com outra mulher. Na cerimônia de
formatura, levei o meu novo namorado para provocar o meu ex e o Narcélio, esse
tal rapaz que eu estou falando, não parava de me olhar com cara feia.
Nova pausa, novo silêncio
do padre no confessionário. Laura continuou.
— Ficamos um tempão
afastados, mas uns cinco anos depois o Narcélio me procurou por e-mail, dizendo
que tinha carinho por mim e que eu fui a primeira pessoa com quem ele conversou
na faculdade. Respondi e em seguida batemos um papo pelo chat da internet. Mas aquele
meu namorado da formatura, promovido a noivo, ficou com ciúmes e mandou eu me
afastar dele. O Narcélio me mandou e-mail perguntando por que eu sumi e
respondi com quatro pedras na mão. O Narcélio acabou sendo o culpado pelo meu
rompimento. Depois fiquei com pena e mandei uma dica de vaga para jornalista
automotivo, que ele gosta tanto. Ele me respondeu agradecendo, mas depois não
me procurou mais. Ainda pedi umas dicas de sites de carros e ele me respondeu.
Foi a última vez que o procurei.
Laura suspirou e
finalmente confessou.
— Depois de vinte anos,
um namorado, um noivo, dois maridos e dois filhos, descobri que eu nunca tirei
o
Narcélio da cabeça. Estou apaixonada por ele. Padre, é pecado eu me apaixonar
por ele tarde demais?
— Só considero pecado
você ter destratado esse tal de Narcélio. Vai lá no altar e reze vinte
ave-marias, vinte pai-nossos e está perdoada.
— Obrigada padre. Ei!
Estou reconhecendo essa voz. É você, Narcélio???
Narcélio abriu a
cortina e se revelou, barrigudo e de cabelos grisalhos, para a ex-colega de
faculdade, que ainda era bonita, mas estava fora de forma e com algumas rugas.
— Sim. Sou eu. É tarde
demais para se declarar a mim porque eu virei padre. Depois de tantas
frustrações com mulheres e emprego, resolvi entrar para o sacerdócio. Agora vai
lá cumprir a sua penitência. Próxima.
* Jornalista e publicitário de formação e escritor
de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São
Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora
Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu
blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por
leitores
Desencontros por décadas e surpresa tarde demais. Pobre amor.
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