domingo, 2 de fevereiro de 2014

O leão

* Por Catule Mendès

Como, por ser cristã, recuasse altaneira,
aos ídolos pagãos de barro e de madeira,
nas festas de curvar, e queimar-lhes o incenso,
--- nesses tempos cruéis de paganismo intenso,
sem vencê-las poder com ameaças severas,
o pretor ordenou que fosse lançada às feras;
e porque virgem era e trêmula corava,
quando o olhar de um juiz lascivo a contemplava,
em cláusula formal, num édito contida,
decretava que fosse ao martírio despida,
nua, o seio a encobrir com as mãos e com os cabelos,
ela no circo entrou...

Logo, eriçando os pêlos
famulento leão, a rugir de fereza,
do cárcere saltou e foi cheirar a presa...

Viu o povo invejoso esse corpo imponente,
tão branco, junto àquela enorme fauce ardente,
e mostrava, a ranger os dentes de luxúria,
ritos de beijos mil da mais lasciva fúria!
E ela ao seio puxava o cabelo divino...
Neste ínterim, o leão, instintivo assassino,
entreabria medonho a goela carniceira.
“Leão...” disse a cristã.

Eis que ali, na poeira,
dócil e silenciosa a fera então se deita...
E, ao pasmo olhar daquela gente, ao sangue afeita,
esquece a longa fome horrível, que extenua,
para os olhos fechar diante da virgem nua!

Tradução: Álvaro Reis.


* Poeta francês

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