No dia em que Alice
nasceu
* Por Urda Alice Klueger
No dia em que Alice nasceu eu tive que ir a Florianópolis com a minha
amiga Rosane Magali. Sabíamos que Alice ia nascer, mas havia negócios que
tinham que ser feitos naquele dia, e como minha mãe veraneava em Balneário Camboriú,
ficou combinado que o telefone dela seria como que uma central telefônica que
receberia e repassaria informações sobre o nascimento de Alice, estivéssemos
onde estivéssemos. Lembro daquele telefone: era um celular preto enorme, da
primeira geração de celulares, daqueles que enchia a mão inteira e que dava um
trabalhão para carregar, todas as noites.
Então fomos para Florianópolis sabendo que Alice ia nascer, e eu já
tinha visto a carinha dela no ultra-som, e como ela era bonitinha! Fomos para
Florianópolis tão leves de alegria que quando a Polícia Rodoviária de Gaspar me
parou para dar um pito por excesso de velocidade, eu pensei que estava nos
parando para algum papo elogioso, e fiquei surpresíssima com a bronca, que,
afinal, era apenas uma admoestação – como alguém podia dar bronca no dia em que
Alice ia nascer?
Rosane e eu estivemos em Florianópolis, fizemos os negócios inadiáveis,
e agora se tornava inadiável saber se Alice já nascera e se tudo correra bem.
Pela hora do almoço, nos telefones públicos do aterro da baía sul, próximas do
Mercado Público, a gente não sabia mais o que fazer de tanta ansiedade para
saber de Alice, e algo misterioso acontecia nos telefones, pois não conseguíamos
a conexão com o antigo celular da minha mãe. Recém fora inaugurada essa coisa
de celular pré-pago e pós-pago, e a gente já não sabia o que fazer para
completar uma ligação de um telefone público para um celular, e também já não
era possível sobreviver mais sem saber de Alice! Acabamos comendo no Mercado
ainda sem saber, e só depois, como que num milagre, numa das nossas tentativas
o telefone se conectou com o da minha mãe:
- Nasceu, sim! Tudo correu bem! Passem aqui por Camboriú na volta que
quero ir a Blumenau ver Alice!
Tão fantástica quanto a notícia de que Alice nascera era a notícia de
saber que minha mãe iria se abalar de Camboriú para ver a bisneta no primeiro
dia, ela que não tinha tais hábitos.
Quando voltamos já era de tarde, e no caminho,um pouco para cá de
Biguaçu, um homem queria morrer, bem no dia em que Alice nascera! Não sei por
que lembrei dele agora: vínhamos comportadamente seguindo o trânsito, quando o
homem saiu do acostamento de costas para nós e se postou sobre a pista, com as
costas viradas para a própria morte. Foi coisa de um átimo de segundo: consegui
manobrar para o acostamento e passar pelo lado direito do homem, escapando da
morte dele. Era um andarilho que decerto carregava muitas dores nos ombros
magros – mas como é que alguém podia fazer aquilo bem no dia em que Alice
nascera? Ah! As dores do mundo – como saber de todas as dores daquele homem?
Foi um susto danado!
Estávamos tão contentes, Rosane e eu, que depois que passou o susto do
homem que queria morrer, resolvemos que tínhamos que comemorar, e paramos em
Meia-Praia, e num bar de Meia-Praia tomamos algumas cervejas estupidamente
geladas em homenagem à Alice que viera ao mundo naquele dia. Claro que não dava
para dirigir mais com aquela cerveja na cabeça, e então, no banheiro do bar,
vestimos biquínis e mergulhamos no bom mar de Meia-Praia, e mergulhamos e
brincamos como lontras, ou como outros bichinhos que gostam muito de água, até
que sentimos que diminuía o poder da cerveja sobre nós. Era mister estarmos bem
ao voltarmos ao asfalto, pois era mister ir conhecer Alice, e Alice era mais
que tudo o mais!
Paramos em Camboriú onde minha mãe nos esperava ansiosa para ir à
maternidade ver a bisneta, e lembro como estávamos molhadas, pois vestíramos
nossas roupas sobre os biquínis molhados, mas aquilo não tinha importância! O
importante era chegar em Blumenau para conhecer Alice!
Não lembro o que aconteceu com Rosane – tinha ela sua família, suas
crianças, deve ter ido para casa – mas minha mãe e eu fomos diretamente para a
maternidade. E lá estava Alice, a mais linda bonequinha que alguém já pusera no
mundo, e Laura, a mãe dela, que fora uma adolescente até à véspera, agora era
uma mãe que sabia até amamentar, e o adolescente que era seu pai estava
justamente a lhe trocar a fralda, pressuroso como devem ser os ursos quando
nascem os ursinhos, e a bisavó e eu ficamos sem fala, assim bobas, olhando para
aquele poema de bastos cabelos negros que era Alice, e aquele quarto de
hospital brilhava todo cheio da luz do Futuro. Alice era tão linda que nos dias
seguintes fiz uma certa campanha para que ela fosse registrada como Linda
Alice, ao invés de só Alice – não faz mal que foi assim, pois Linda ela é,
sempre, embora seja tão Alice, também, sempre!
Ficamos ali bem bobas, sem saber o que fazer quando Alice voltou para o
seu bercinho, totalmente apaixonadas por ela, e não tínhamos a menor idéia do
que fazer quando ela começou a soluçar. Mesmo minha mãe, que fora mãe três
vezes e também era tão pressurosa quanto uma ursa com seus ursinhos, estava tão
encantada com a bisneta que não lembrava mais por que um bebê soluça, ela que
tinha toda a prática. Teve que vir uma enfermeira informar que Alice tinha
frio, e só então caímos na real e cobrimos aquela menininha que parecia toda
feita de açúcar, creme, porcelana e rosas, e ela se aconchegou e parou com os
soluços.
Em algum momento tivemos que ir – as normas do hospital não deixavam um
monte de gente ficar lá indefinidamente. Levei minha mãe para casa, mas a
chegada de Alice com certeza mudara algo na vida de todas nós! Era dia 25 de
Janeiro do ano 2000, lá já se vão quatorze anos! Mas nunca vai dar para
esquecer o dia em que Alice nasceu!
Blumenau, 25 de Janeiro de 2014.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Um nascimento mais emocionante do que os outros, pois as suas palavras transformadoras, Urda, fazem a emoção se ampliar e explodir de uma maneira bem gostosa.
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