Toque de amor
P or Pedro J. Bondaczuk
As vidas dos grandes ídolos –
sejam artistas, jogadores de futebol, esportistas bem-sucedidos de outras
modalidades, políticos ou escritores de renome – são amiúde devassadas, sem
cerimônias, por determinados órgãos de comunicação, como se, pelo fato de serem
figuras públicas, não tivessem nenhum direito à privacidade. Claro que têm.
Multiplicam-se, inclusive, revistas e sites da internet voltados exclusivamente
para esse tipo de matéria. E cada uma é mais escandalosa (e fútil) do que a
outra.
É bastante conhecida, por
exemplo, a ojeriza dos famosos para com os tais “paparazzi”, que não medem
esforços para flagrar suas vítimas em atitudes grotescas ou comprometedoras. E
quase sempre conseguem. A perseguição dos tais fotógrafos freelancers foi,
inclusive, uma das causas do acidente que redundou na morte da princesa Diana,
em Paris.
Boa parte das matérias dessas
revistas enfoca somente banalidades. E, infelizmente, há quem goste desse tipo
de informação. Afinal... há gosto para tudo (ou quase tudo). Raramente, porém,
essas publicações especializadas em fofocas revelam ao público fatos realmente
relevantes, que mostrem um outro lado dos ídolos e revelem como eles de fato
são. Divulgam-se, apenas, seus namoros (não raro inventados), aventuras
extraconjugais, brigas e outras tantas bobagens do gênero, que deveriam
interessar somente aos envolvidos.
Num determinado dia de abril de
1990 (cuja data exata, infelizmente, não registrei), a Rede Globo exibiu, na
sessão “Corujão”, que passa de madrugada, o filme “Toque de Amor”, cujo enredo
é baseado num fato verídico, envolvendo o cantor Elvis Presley. Sei disso
porque o registrei em meu diário (embora, não sei por que cargas d’água, deixei
de mencionar o dia exato da exibição da película), tamanha foi a impressão que
o enredo me causou.
A história enfocava a ação de uma
aprendiz de enfermagem, que fazia estágio numa instituição de recuperação de
crianças deficientes. Uma das pacientes internadas era Karen, menina linda, de
cerca de 13 anos de idade, acometida de paralisia cerebral. Sua doença estava
em estágio tão avançado, que a garotinha era considerada doente terminal. Os
médicos a haviam desenganado, garantindo que a adolescente não tinha qualquer
possibilidade de melhora, e muito menos de cura. Tinha, somente, vida
vegetativa. Não se comunicava com ninguém.
A jovem enfermeira, porém,
discordava do diagnóstico. Tanto que decidiu tentar quebrar a barreira de
silêncio que a garotinha havia estabelecido e penetrar em seu mundo, para saber
o que sentia, o que queria e o que a fazia feliz. Por que? Não sabia explicar.
Talvez por pura piedade. As primeiras tentativas que fez, de comunicação com a
menina, foram frustrantes. A paciente não correspondeu aos seus esforços e nem
deu sinal de que havia entendido o que ela lhe dizia.
A enfermeira não desistiu. Mudou
de estratégia. Era um desafio que exigia não apenas muita paciência, mas,
sobretudo, dedicação e amor, já que não tinha nenhuma experiência em lidar com
esse tipo de caso. Afinal, era a primeira vez que cuidava de doentes. Tanto ela
tentou, porém, penetrar no mundo da garotinha, que num determinado dia ocorreu
um “milagre”. Karen respondeu, com clareza e concisão, a uma pergunta da
interlocutora, que não cabia em si de contente.
Em suma, a enfermeira conseguiu
não apenas que a adolescente se comunicasse com ela, como a levou a se
interessar pelo mundo e a lutar pela vida, mesmo que a luta fosse vã. No correr
dos contatos, a garotinha confessou, entre outras coisas, que tinha adoração
pelo cantor Elvis Presley e que o seu maior sonho era se corresponder com o
ídolo.
Estava aí outro desafio para a
jovem enfermeira, quem sabe ainda maior do que o de se comunicar com Karen.
Suas colegas chegaram a tentar demovê-la de sequer tentar estabelecer contato
com o “rei do rock”, para não se frustrar. “Imagine se ele vai dar atenção a
uma menina doente, ele que é assediado por tantas fãs e que tem tantos
compromissos!”, lhe diziam, incrédulas. A enfermeira, todavia, não desanimou.
Moveu céus e terra para obter o endereço do cantor. Assim que conseguiu,
escreveu-lhe uma carta, em nome de Karen (foi a garotinha que ditou o que
queria dizer ao ídolo) e a pôs no correio.
Os dias passavam, e nada de
resposta. A ansiedade fez com que o estado da garotinha piorasse. Num belo dia,
contudo, para surpresa geral, eis que chegou uma carta para a menina. E
adivinhem de quem? Isso mesmo, de Elvis Presley! E o roqueiro não se limitou a
uma simples e formal resposta, dessas impressas que os ídolos costumam enviar
aos fãs. Teve, pelo contrário, muita sensibilidade para entender o drama de
Karen e passou, desde então, a se corresponder regularmente com ela. É verdade
que a doença evoluiu. Os médicos tinham razão: não havia a mínima possibilidade
de melhora, quanto mais de cura. A garotinha, de fato, morreu. Mas serenamente,
apertando no peito uma das tantas cartas que havia recebido do seu ídolo.
Confesso que até assistir o filme
desconhecia o episódio. E olhem que havia lido centenas, quiçá milhares, de
reportagens sobre o “rei do rock”, do qual era (e agora sou muitíssimo mais)
admirador, a ponto de ter adquirido todos os discos que ele lançou. Por que, em
vez das tantas fofocas que publicaram, essas revistas, ditas “especializadas”,
não trouxeram a público essa história? Talvez porque não envolvesse nenhum
escândalo! Perderam, dessa forma, a oportunidade de exercer o verdadeiro
jornalismo. Pois, para mim, considero a atenção que Elvis dedicou a Karen a
maior das suas bem-sucedidas obras. Ou não foi?!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
A caridade que uma mão faz, a outra não deve saber, dizem. O segredo pode ter sido decisão do próprio cantor, que depois veio a público. Mas de fato, o que não presta atrai mais do que as coisas boas, especialmente quando se trata de pessoas públicas.
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