Papo de salão
* Por Cecília França
Estava eu em um raro momento de
embelezamento. As mãos, tensas, estavam esticadas para a manicure, ao mesmo
tempo em que a cabeleireira puxava meus fios como se fosse arrancá-los.
Enquanto torcia para não sair do salão sem um pedaço dos dedos e careca,
escutava – era inevitável – o papo animado das duas moças.
- Nossa, você viu o carro novo da
Marlene, que ela ganhou do marido?
- Pois é, é um "Audio"
A3, chiquééérrimo! Andei nele outro dia quando ela me deu carona. Diz que o
marido trocou o dele e passou esse pra ela. Aí, sabe aquele Palio bonitinho que
ela tinha? Deu pra filha.
Entendi que a Marlene era uma das
clientes do salão que tinha horário fixo toda semana. Fiquei com pena da
mulher. Além de sofrer horrores, ter a cutícula apertada e arrancada, os
cabelos puxados e escovados, ainda era alvo de fofocas. Pobre Marlene.
- Ouvi dizer outro dia que o
marido dela troca de carro todo ano – ainda a Marlene.
- É verdade, troca mesmo. Ele
acabou de comprar um daqueles Citroen "Palace", lindo demais.
- Ai, mas trocar todo ano pra mim
já é "sustentação"! Finalizou grandiosamente a manicure.
Em um primeiro momento tive
vontade de rir da conversa despreocupada das duas – despreocupada tanto no
quesito discrição quanto gramatical. Quis fazer críticas bem-humoradas ao jeito
incorreto de falar das duas, mas não havia ninguém perto suficiente que eu
pudesse chamar sem que elas imediatamente não me fitassem.
Diante disso, continuei ouvindo a
conversa e passei por três estágios de ânimo. O primeiro, da crítica, da
vontade de tirar um sarrinho nas duas. O segundo, da pena, porque elas não
tinham instrução suficiente para saber que estavam falando o português
incorreto. E, finalmente, o último, o da irrelevância. Irrelevância minha, não
delas.
Que importância tinha, afinal, se
as duas sabiam ou não o português correto? Seria eu, por acaso, melhor que elas
por saber o significado da palavra "ostentação"? Felizes eram elas
que não precisavam se preocupar com esses detalhes que nos aporrinham no
trabalho, nos estudos, na leitura diária, na inconveniente interrupção de
conversas animadas para corrigir o pai ou o namorado.
O papo continuava.
- Nossa menina, lhe falei que
minha mãe está ruim demais?
- Ruim de quê, não falou não?
Eu já não tinha vontade de rir
quando a manicure, limpando os excessos de esmalte nas minhas unhas, finalizava
seu serviço e a conversa com essa manjada exclamação.
- Nervo "asiático"
menina!
* Jornalista
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