Ruínas sem rimas
* Por
Paulo Clóvis Schmitz
O poeta Marco Vasques
lança às 19h de hoje na Fundação Badesc, em Florianópolis, o livro “Anatomia da
Pedra & Tsunamis”, que completa a chamada Trilogia das Ruínas, que já
contava com “Elegias Urbanas” (2005) e “Flauta sem Boca” (2010). O tom elegíaco
é o mesmo, e os poemas, escritos em apenas um dia, reverberam a tragédia do
terremoto que matou mais de 200 mil pessoas no Haiti, em janeiro de 2010.
Contudo, como diz o poeta, apesar dessa relação não há compromisso com o tema,
com o fato, por mais que ele seja dolorido. Para ele “não é função da
literatura, ou de qualquer arte, informar, ensinar ou propor visões morais”. O
livro é ilustrado por Carol Silva e tem o prefácio de Rubens da Cunha.
Quando,
como e em quais circunstâncias escreveu este livro? Foi um processo natural,
que fluiu bem, apesar do tema, ou foi doloroso, justamente por isso?
O livro foi escrito
praticamente num dia só: 12 de janeiro de 2010. Eu já vinha estudando as
questões geopolíticas do Haiti por meio da leitura do filósofo Noam Chomsky. O
desastre potencializou a escuta poética que já vinha trilhando. Claro que arte
alguma tem compromisso com o tema. Um tema nunca precede a existência de uma
obra de arte. Antes de tudo se faz necessário a busca da linguagem, a busca de
uma voz própria. Mas parece que o papel do poeta, conforme afirma Ferreira
Gullar, é vigiar a linguagem prosaica da vida e transformar algo potente capaz
de modificar, de alterar o leitor. Um escritor minimamente sério sabe que não é
função da literatura, ou de qualquer arte, informar, ensinar ou propor visões
morais. Toda grande arte transcende questões morais.
Em
que medida foi afetado pelo terremoto no Haiti, tema que perpassa o livro? A
tragédia impactou-o pela dimensão ou pelo drama humano, ou ainda pela sensação
de impotência em relação a interferir no destino da população afetada?
“Afetado”. Sim, o livro
é antes de tudo um ato de afeto. Não é um registro social, político ou
jornalístico. É uma espécie de geografia afetiva. Uma cartografia da
impotência. No entanto, ao mesmo tempo em que se pode ler sob a perspectiva
histórica, sobre uma poética que tem como princípio um fato, o livro pode ser
desconectado completamente do evento natural e ser lido sem que o leitor saiba
disso. Ele entrará em outra camada de leitura que o livro propõe. Espero que
este seja o mérito da obra, ou seja, o de possibilitar múltiplas camadas de
leitura.
Seu
trabalho nunca é marcado pelo otimismo ou pelo descompromisso. Como se coloca
diante da função do poeta, do artista?
Veja, o que você coloca
é muito importante, porque pode parecer que me contradigo, já que toda a minha
obra é marcada por um tom cinza do mundo. Brecht dizia que todas as cores são
cinzas. Penso que esta é uma das metáforas mais bonitas do mundo. Estou
inserido num mundo, escrevo a partir dele. Nenhum escritor consegue se
distanciar totalmente, como se fosse um robô, e daí escrever uma obra. Se
escritura é carne, como atesta o filósofo Cioran ou como dizia Graciliano
Ramos, um escritor escrever sempre sobre si mesmo, parte do mundo e do
pensamento de mundo de um escritor aparece em sua linguagem, ainda que
disfarçada. Ocorre que eu não disfarço meu desencanto pelo mundo. A função do
poeta? A função do poeta é fazer o melhor poema possível com a linguagem e o
material humano que sua época apresenta. É igual a de um pedreiro. Fazer a
melhor casa com os instrumentos, materiais de que dispõe, dominando-os
tecnicamente.
Você
transita pela literatura, pelo teatro, também atua como crítico e é funcionário
do governo. Como concilia todas essas atividades e qual delas, afinal, é mais
prazerosa?
Não existe um escritor
que não tenha o sonho de viver de sua escritura. Mas o mercado absorve uns,
ignora outros. Atuar em várias funções não é nada novo. Molière servia à corte,
escrevia suas peças, atuava, dirigia e fazia muito mais. Shakespeare fazia o
mesmo. Claro, por favor, não vai aqui nenhuma comparação. Tenho noção exata,
como crítico que sou, do tamanho da literatura que estou criando. Não sou um
poeta genial, não serei um poeta de matriz, tenho absoluta certeza disso, mas
tenho consciência de que terei um cantinho reservado para a minha voz, assim
espero, na literatura de nosso país. Se pudesse, viveria da literatura e da
crítica teatral, mas isso está cada vez mais improvável. Trabalho para o
estado. E como trabalhador do estado, portanto, das pessoas, tento ajudar meus
iguais a desenvolverem seus projetos. Faço com muito prazer o Suplemento
Cultural de Santa Catarina [ô catarina]. Mas é na escritura que tenho o meu
território de prazer, combate e dor.
Sabe
que fazer poesia é um tanto ingrato, porque é um gênero que tem poucos leitores
e compradores. No entanto, como tantos outros, continua produzindo. O que o
motiva a prosseguir nessa lida?
Como bem assinalou
Rilke, um poeta só deve continuar a escrever poesia se isso realmente for
essencial em sua vida. Há quem defenda a tese de que o que salva a poesia é
justamente o fato de ela não se submeter à lógica do mercado. Há também quem
defenda o contrário. Quanto a mim, ainda que fosse o último homem do mundo,
gostaria de exercer o olhar poético (ainda que desencantado) sobre o mundo e
fazer meus poemas.
Paulo
Clóvis Schmitz é jornalista, Florianópolis / SC
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