A esquerda europeia vista da América Latina
* Por
Emir Sader
Enquanto a AL resiste à
crise e diminui a desigualdade, os governos europeus retrocedem a políticas que
foram desastrosas para a AL nos anos 1980 e 1990.
A esquerda
latino-americana teve sempre vínculos profundos com a esquerda europeia. Seja
pelas referências ideológicas que se recebeu da Europa – anarquismo,
socialismo, comunismo -, seja pelo pensadores e suas teorias – Marx e os
marxismos, antes de tudo.
Esses vínculos se
expressavam também no plano organizativo, com filiação a organizações
internacionais, através dos partidos comunistas, social democratas,
trotskistas. As temáticas comuns – anti-imperialismo, anticolonialismo,
anticapitalismo – também aproximavam as correntes de um lado e de outro do
Atlântico.
Houve sempre temas cuja
compreensão foi distinta por parte da esquerda de um continente e do outro. Os
nacionalismos, em primeiro lugar. Na Europa foram sempre correntes de direita,
chauvinistas, enquanto que na América Latina sempre tiveram um tom
anti-imperialista, portanto progressista.
Houve um momento
preciso em que esses laços sofreram mudanças importantes. Desde o segundo pós
guerra a esquerda europeia havia tido sempre atitudes solidárias com a esquerda latino-americana, propondo
alianças políticas.
A virada do governo de
François Mitterrand do primeiro para o segundo ano do seu mandato representou
uma opção estratégica da social democracia europeia: aliança subordinada com
o bloco liderado pelos EUA e pela Grã
Bretanha, ao invés de formar um bloco com os países do Sul do mundo – vítimas
principais da globalização neoliberal.
Esta virada foi
concomitante com a adoção de variantes do modelo neoliberal pela social
democracia europeia, inspirando caminhos similares na América Latina – de
forças tradicionalmente nacionalistas, como no México e na Argentina, a outras,
de caráter social democrata – como no Chile, na Venezuela, no Brasil, entre
outros.
Quando se realizam
eleições para o Parlamento europeu, os prenúncios são os piores possíveis para
a esquerda europeia. Mas o que causa mais assombro na América Latina é que a
mais profunda crise econômica do capitalismo em muitas décadas, não produza
grandes mobilizações populares de resistência às politicas de austeridade e o
fortalecimento da esquerda, mas, ao contrário, sejam força de extrema direita
as que se fortaleçam.
Enquanto que governos
latino-americanos resistem à crise e continuam diminuindo a desigualdade e a
miséria, valendo-se das próprias experiências keynesianas dos Estados de bem
estar social da Europa, os governos europeus retrocedem a políticas que foram
desastrosas para a América Latina nos anos 1980 e 1990.
Não é fácil entender,
desde a América Latina, como se dá isso. Se vários países do nosso continente
têm hoje governos antineoliberais, é porque fizemos uma dura resistência ao
neoliberalismo nos anos 1990 e o
derrotamos. Está claro que as condições são distintas, a unificação europeia
terminou sendo uma armadilha que dificulta, mas não é menos certo que não haver
uma resistência de massas é o cenário de fundo da debilidade da esquerda
europeia.
* Sociólogo
e cientista político
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