O discurso do Chefe Seattle
* Por
Paulo Coelho
No ano de 1854, o
presidente dos Estados Unidos fez à uma tribo do Norte a proposta de comprar suas terras, oferecendo
em contrapartida a concessão de uma outra ‘reserva’. O texto da resposta do
Chefe Seattle tem sido considerado, através dos tempos, um dos mais belos
pronunciamentos a respeito da importância das tradições. Já li em algum lugar
que tal resposta foi falsificada por um jornalista, mas isso não tira o valor
do que foi dito.
Como é que se pode
comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se
não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível vendê-los?
Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo, cada punhado de areia do deserto, cada
sombra de árvore, cada uma destas coisas é
sagrada na memória do meu povo.
Os mortos do homem
branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas.
Nossos mortos jamais esquecem estas montanhas e vales, pois assim é o rosto de
nossa Mãe. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores são nossas
irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos. Os picos rochosos,
os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro e o homem - todos
pertencem à mesma família. Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda
dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós.
O Grande Chefe diz que
irá nos colocar em um lugar onde poderemos viver felizes. Ele será nosso pai e
nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar a sua oferta de comprar
nossa terra. Mas isso não será fácil, porque essa água brilhante que corre nos riachos não é
apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhe vendermos a terra,
eles podem esquecer que o murmúrio das águas é a voz dos nossos ancestrais, e
as lembranças de tudo o que ocorreu enquanto vivemos aqui.
Sabemos que o homem branco
não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo
significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai
da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas uma mulher
atraente, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os
túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Retira da terra aquilo que
seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de
seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como
coisas ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um
deserto.
Eu não sei, nossos
costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidade fere os olhos do homem
vermelho. Talvez seja porque o índio é um selvagem e não compreenda. Não há
lugar quieto na cidade do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o
desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. O ruído
parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode
ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa,
à noite? O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem o homem
morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais,
breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.
Tudo o que acontecer à
terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão
cuspindo em si mesmos. Isto sabemos: a terra não pertence ao homem, o homem
pertence à terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de
seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.
Mesmo o homem branco,
cujo Deus caminha e fala como ele de amigo para amigo, não pode estar fugir
desta realidade. De uma coisa estamos certos: nosso Deus é o mesmo Deus dele.A
terra Lhe é preciosa, e feri-la é desprezar o Criador. É o final da vida e o
início da sobrevivência.
* Jornalista,
compositor e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor
brasileiro de maior venda de livros no mundo,
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