Uma velhinha
* Por
Antônio Maria
Quem me dera um pouco
de poesia, esta manhã, de simplicidade, ao menos para descrever a velhinha do
Westfália! É uma velhinha dos seus setenta anos, que chega todos os dias ao
Westfália (dez e meia, onze horas), e tudo daquele momento em diante começa a
girar em torno dela. Tudo é para ela. Quem nunca antes a viu, chama o garçom e
pergunta quem ela é. Saberá, então, que se trata de uma velhinha "de muito
valor", professora de inglês, francês e alemão, mas "uma grande
criadora de casos".
Não é preciso perguntar
de que espécie de casos, porque, um minuto depois, já a velhinha abre sua mala
de James Bond, de onde retira, para começar, um copo de prata, em seguida, um
guardanapo, com o qual começa a limpar o copo de prata, meticulosamente, por
dentro e por fora. Volta à mala e sai lá de dentro com uma faca, um garfo e uma
colher, também de prata. Por último o prato, a única peça que não é de prata.
Enquanto asseia as "armas" com que vai comer, chama o garçom e manda
que leve os talheres e a louça da casa. Um gesto soberbo de repulsa.
O garçom (brasileiro)
tenta dizer alguma coisa amável, mas ela repele, por considerar (tinha razão) a
pronúncia defeituosa. E diz, em francês, que é uma pena aquele homem tentar
dizer todo dia a mesma coisa e nunca acertar. Olha-nos e sorri, absolutamente
certa de que seu espetáculo está agradando. Pede um filet e recomenda que seja
mais bem do que malpassado. Recomenda pressa, enquanto bebe dois copos de água
mineral. Vem o filet e ela, num resmungo, manda voltar, porque está cru. Vai o
filet, volta o filet e ela o devolve mais uma vez alegando que está assado de
mais. Vem um novo filet e ela resolve aceitar, mas, antes, faz com os ombros um
protesto de resignação.
Pela descrição, vocês
irão supor que essa velhinha é insuportável. Uma chata. Mas não. É um encanto.
Podia ser avó da Grace Kelly. Uma mulher que luta o tempo inteiro pelos seus
gostos. Não negocia sua comodidade, seu conforto. Não confia nas louças e nos
talheres daquele restaurante de aparência limpíssima. Paciência, traz de sua
casa, lavados por ela, a louça, os talheres e o copo de prata. Um dia o garçom
lhe dirá um palavrão? Não acredito. A velhinha tão bela e frágil por fora,
magrinha como ela é, se a gente abrir, vai ver tem um homem dentro. Um homem
solitário, que sabe o que quer e não cede "isso" de sua magnífica
solidão.
16/10/1964
* Jornalista,
poeta e compositor de música popular brasileira.
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