Publicidade e crianças
* Por
Frei Betto
Poucos se deram conta
de que, a 4 de abril deste ano, a presidente Dilma assinou a Resolução
163/2014, do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda), que
proíbe publicidade abusiva direcionada a crianças e adolescentes.
Como alertou o jurista
Dalmo Dallari, preservou-se o direito constitucional de liberdade de expressão.
Limitou-se, porém, o de liberdade de comércio, que deve ser restrito quando
ameaça direitos humanos.
Pais e educadores sabem
o quanto crianças e adolescentes, sem maturidade e discernimento, ficam
expostos à publicidade abusiva. Ídolos do esporte são usados em propaganda de
bebidas alcoólicas; alimentos com alto teor de gorduras saturadas são
apresentados como sadios; guloseimas que provocam obesidade precoce aparecem
revestidas de embalagens sedutoras.
Enquanto a família e a
escola querem formar cidadãos, a publicidade quer formar consumistas,
considerando o lucro do anunciante acima da preservação da saúde física e
psíquica.
Estudos demonstram que
crianças e adolescentes aderem às drogas por transferirem para a TV e a
internet seu universo onírico. Os sonhos químicos tentam preencher o vazio da
mente que não exauriu a fantasia no período da infância.
A Constituição brasileira
dispõe no artigo 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida (...), à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-las a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
A aprovação da
Resolução foi uma vitória do Conanda e, em especial, do Instituto Alana que, há
anos, luta em prol dos direitos desse amplo e frágil segmento populacional com
idade inferior a 18 anos.
Por força de lei, agora
estão proibidas no Brasil publicidade e comunicação mercadológica com intenção
de persuadir crianças ao consumo de qualquer produto ou serviço, utilizando-se
de “linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores; trilhas sonoras
de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança; representação de criança;
pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; personagens ou
apresentadores infantis; desenho animado ou de animação; bonecos ou similares;
promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos
ao público infantil; e promoção com competições ou jogos com apelo ao público
infantil”.
Nenhum dos recursos
acima elencados pode mais ser utilizado “em eventos, espaços públicos, páginas
de internet, canais televisivos, em qualquer horário, por meio de qualquer
suporte ou mídia, seja de produtos ou serviços relacionados à infância ou
relacionados ao público adolescente e adulto”.
A lei proíbe também
abusiva “publicidade e comunicação mercadológica no interior de creches e das
instituições escolares da educação infantil e fundamental, inclusive em seus
uniformes escolares ou materiais didáticos”.
Tais medidas de
proteção da criança e do adolescente “não se aplicam às campanhas de utilidade
pública que não configurem estratégia publicitária referente a informações
sobre boa alimentação, segurança, educação, saúde, entre outros itens relativos
ao melhor desenvolvimento da criança no meio social”.
O objetivo da lei
promulgada pela presidente é assegurar o “respeito à dignidade da pessoa
humana, à intimidade, ao interesse social, às instituições e símbolos
nacionais; atenção e cuidado especial às características psicológicas do
adolescente e sua condição de pessoa em desenvolvimento; não permitir que a
influência do anúncio leve o adolescente a constranger seus responsáveis ou a
conduzi-los a uma posição socialmente inferior; não favorecer ou estimular
qualquer espécie de ofensa ou discriminação de gênero, orientação sexual e
identidade de gênero, racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade;
não induzir, mesmo implicitamente, sentimento de inferioridade no adolescente,
caso este não consuma determinado produto ou serviço; não induzir, favorecer,
enaltecer ou estimular de qualquer forma atividades ilegais, a qualquer espécie
de violência, a qualquer forma de degradação do meio ambiente; e primar por uma
apresentação verdadeira do produto ou serviço oferecido, esclarecendo sobre
suas características e funcionamento, considerando especialmente as
características peculiares do público-alvo a que se destina”.
Resta, agora,
estabelecer as punições adequadas a quem insistir em transformar, através da
hipnose eletrônica, futuros cidadãos em precoces consumistas
* Frei Betto é escritor, autor de “Aldeia do silêncio”
(Rocco), entre outros livros.
Website: http://www.freibetto.org/
Twitter: @freibetto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário