Sólido
sucesso
* Por Pedro J. Bondaczuk
O sucesso e sua irmã-gêmea, a fama, costumam ser
sumamente cruéis com a maioria dos que os obtêm. Como um vinho de má-qualidade,
ou uma cachaça vagabunda, ou um uísque falsificado, ou qualquer bebida muito
forte, sobem de imediato à cabeça dos incautos. Todavia, são muito rápidos.
Quando menos se espera, se desfazem no ar, vão-se embora, desaparecem, viram pó
e deixam, quem não se acautelou, desesperado e atônito. O caminho da fama para
o ostracismo, por seu turno, é curtíssimo, como um piscar de olhos.
Raros conseguem reter esses dois tão perseguidos
enganadores por um tempo mais longo, já nem digo para sempre, palavra muito
forte e interdita para nós, meros mortais. E não se trata, sequer, de questão
de mérito. Depende dessa coisa mais frágil ainda do que o sucesso e a fama, que
é a memória das pessoas.
Um cantor popular brasileiro, no entanto, conseguiu
a façanha de manter-se na crista da onda por já mais de meio século. É certo
que sua popularidade (que, guardadas as proporções, chegou a ser maior do que a
de Roberto Carlos) declinou com o tempo. Ainda assim, não há quem não o conheça
e, mesmo não apreciando seu repertório ou seu estilo, não lhe confira os respectivos
méritos. Refiro-me a Cauby Peixoto.
No auge do seu sucesso, em meados da década de 50 do
século passado, o cantor mereceu matéria da prestigiosa revista norte-americana
“Time”, que o classificou como “o maior ídolo da canção popular brasileira”. E,
esteja certo o leitor, o autor da reportagem não exagerou. Cauby, de fato, na
ocasião, era insuperável e tinha cadeira cativa no coração e nas mentes dos
seus milhões de fãs, espalhados pelo Brasil afora.
Esse ídolo interminável voltou, literalmente, à
ribalta, há sete anos. Mais especificamente, aos palcos. Um dos maiores
sucessos da temporada teatral daquele ano foi, exatamente, uma peça, escrita e
dirigida por Flávio Marinho (lançada pela Editora Imago), intitulada “Cauby,
Cauby”. No Rio de Janeiro, a produção foi encenada, inicialmente, no Teatro
Sesc Ginástico e, posteriormente, no João Caetano. Em São Paulo , repetiu o
sucesso, com vitoriosa temporada no Teatro Procópio Ferreira.
Tendo o ator Diogo Vilela no principal papel (com
interpretação soberba, o que, aliás, não se constitui em nenhuma novidade, dado
seu imenso e reconhecido talento), a competente direção musical coube a Liliane
Secco. Flávio Marinho foi, mais uma vez, muito feliz em seu texto, leve,
bem-humorado, mas rigorosamente informativo, que traz, em poucas palavras, os
principais episódios da vida e, sobretudo, da marcante carreira de Cauby
Peixoto.
Aliás, falar da competência do autor chega a ser
redundante. Com mais de vinte peças no currículo, a maioria sucessos
retumbantes nos palcos, como “Salve amizade”, “Coração brasileiro”, “Um dia das
mães” e “Abalou Bangu”, entre tantas outras, tem, como principal
característica, retratar a classe média da Zona Sul do Rio, que conhece tão
bem, já que nasceu em
Copacabana. Além de autor e de diretor, Flávio Marinho é um
dos mais respeitados críticos teatrais da atualidade.
Para quem não sabe, informo que Cauby Peixoto Barros
nasceu em Niterói, em 10 de fevereiro de 1934. Completou, portanto, neste ano,
73 anos de idade. O hoje mítico cantor, aliás, tem a arte musical no DNA.
Afinal, o pai, conhecido como Cadete, tocava violão; a mãe era perita no
bandolim; o tio, Romualdo Peixoto (chamado, nos meios artísticos de Nono) era
pianista e homem de rádio; seu primo, Ciro Monteiro, dispensa apresentação, já
que foi um dos mais famosos e reconhecidos sambistas de todos os tempos, quer
como compositor, quer como intérprete; seus irmãos Moacir e Araquém foram bons
instrumentistas e a irmã, Andiara, cantora, como ele.
A estréia pública de Cauby deu-se em 1949. Foi num
programa da Rádio Tupi do Rio, “A hora do comerciário” (exercia essa profissão
na época), patrocinado pelo Sesc. Saiu-se tão bem, que conseguiu chamar a
atenção da popularíssima “Revista do Rádio”, fundamental, na ocasião, para um
artista se tornar conhecido. Pouco depois, mudou-se para São Paulo, onde foi,
durante um bom tempo, “crooner” de boate. Daí para a fama e o sucesso foi um
passo. Mas quem quiser conhecer essa trajetória, que compre o livro de Flávio
Marinho. Não vou ser o espírito de porco de resumir um trabalho tão bem feito e
interessante em meras vinte ou quarenta linhas, não importa.
Entrevistei Cauby num programa de rádio que então
apresentava em São Paulo
em 1961. Tremi na base, claro. Tratava-se de um mito e eu de um radialista em
início de carreira. Todavia, o que tive, à minha frente, foi uma pessoa
simples, amável, educada e, sobretudo, muito bem-humorada. Foi uma das
entrevistas mais marcantes e exemplares da minha vida. Cauby tem um hábito
peculiar: chama, sempre, os interlocutores, de “professor”. Mas quem sou eu
para merecer tão nobre designação?! Mestre, de fato, da interpretação e da
modéstia, é ele, sem dúvida alguma. E, sobretudo, da arte de conservar, por
tanto tempo, o sucesso e a fama (cruéis e fugidios), merecidíssimos por sinal,
que conquistou com garra, talento e insuperável simpatia. Salve, Cauby Peixoto!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Detalhes, mas comentarei: 73 anos quando o espetáculo foi lançado, e 80 anos no ano que corre. Anos atrás Chico Buarque fez uma música "Bastidores", no estilo de Cauby Peixoto, para o próprio cantar e foi um enorme sucesso. Belíssima! O homem é grande!
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