Dante Milano vem à tona
* Por
Aleilton Fonseca
Com a edição de sua
Obra reunida, o poeta carioca Dante Milano (1899-1991) vem à tona, após um
longo e injustificável esquecimento. Ele estreou em 1920, e acompanhou à
distância os desdobramentos da poesia modernista de 22, sem assumir posição de
renovador estético. Independente, à margem das tendências em voga, tornou-se um
poeta à parte e, como tal, ignorado pelos autores de panoramas literários. Nada
mais injusto, pois seus poemas têm uma força lírica extraordinária. Milano é um
poeta moderno para além dos ismos de ocasião. Sua poesia encanta pela sutileza,
beneficiando-se da aparente simplicidade dos assuntos, com o vigor do
pensamento metafísico, a feição cristalina dos versos, o ritmo e a musicalidade
personalíssimos, a clareza das imagens e do vocabulário, a requintada ironia ao
tratar de questões da existência, da vida, do amor e da morte.
O leitor atento percebe
uma aproximação lírica de Dante Milano com Manuel Bandeira, seu amigo e
admirador, fato bastante visível no poema Lágrima negra (p. 157). Ele também se
aproxima de Cecília Meireles, no tocante à concepção musical dos versos e à
leveza das imagens. O seu poema Descobrimento da poesia (p. 21) corresponde,
pela concepção, ao famoso Motivo ceciliano. Isto, por si só, já justifica o
interesse por sua obra.
Milano também escreveu
textos sobre literatura, nos quais se observa a opinião de um leitor envolvido,
reflexivo, lido e bem informado. Sua análise é intuitiva, sem aparato crítico
nem método fechado, mas com a clarividência, a sutileza e a sensibilidade de
poeta e leitor atento. Geralmente curtos, seus textos refletem posições
pessoais, de autor mesmo, perante questões de interesse teórico, mantendo-se
sempre como uma escrita literária.
Outro legado valioso de
Milano é, sem dúvida, a tradução de poesia: ele traduziu textos de Dante
Alighieri, Shakespeare, Charles Baudelaire e Mallarmé. Essa iniciativa do poeta
tem importância não somente pelo trabalho em si, mas pela lição que acrescenta
à difícil arte de traduzir poesia, a par de sua concepção e seu talento ao
propor soluções originais, ao recriar poemas célebres da tradição literária
universal.
O poeta, crítico e
tradutor Ivan Junqueira faz a apresentação do autor e sua obra, com profundo
senso de percepção e análise. Sua abordagem reorienta críticos e ensaístas, ao
apontar critérios e caminhos para uma compreensão da obra e da personalidade
poética de Dante Milano. Já o organizador, Sérgio Martagão Gesteira, esclarece,
numa ''nota explicativa'', os critérios, as escolhas e os procedimentos de seu
trabalho. Sem dúvida, este livro é uma contribuição importantíssima para o
acervo bibliográfico da poesia brasileira do século 20.
* Aleilton Fonseca é
escritor, Doutor em Letras (USP), professor titular pleno da Universidade
Estadual de Feira de Santana, membro da Academia de Letras da Bahia, da UBE-SP
e do PEN Clube do Brasil.
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