Sonho do poeta
Os poetas são seres
excepcionais. Está certo, admito, são pessoas como outras quaisquer. Têm
virtudes e defeitos, ideais e vícios, erros e acertos, são lógicos e contraditórios
e vai por aí afora, dependendo de cada indivíduo e das circunstâncias. Mas...
admitamos, têm algo a mais que aqueles que não contam com esse talento não têm.
Contam com uma capacidade de entender sentimentos (próprios e alheios), de
enxergar “a alma” e de vislumbrar beleza onde a maioria não a vê. Não me
refiro, aqui, apenas aos que escrevem versos, pois qualquer adolescente
apaixonado o faz, mesmo sem ser propriamente poeta. Meu foco são os que têm “alma
poética”, mesmo que jamais tenham composto um único poema. Não sei se consegui
me fazer entender. Temo que não. Não faz mal.
O próprio “pai” da
Psicanálise, Sigmund Freud, tinha respeito quase sagrado por este tipo de
pessoa. É célebre esta declaração do sisudo cientista a propósito: “Seja qual
for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele, antes de mim”. Viram?
Estou em ótima companhia. Cito, para reforçar minha informação, outra
declaração de Freud, em que ele afirma: “Os poetas e os romancistas são aliados
preciosos e o seu testemunho merece a mais alta consideração, porque eles
conhecem, entre o céu e a terra, muitas coisas que a nossa sabedoria escolar
nem sequer sonha ainda. São, no conhecimento da alma, nossos mestres, que somos
homens vulgares, pois bebem de fontes que não se tornaram ainda acessíveis à
ciência”. E como bebem!
Bem, sou um tanto suspeito neste assunto,
porquanto, embora o menor entre os menores, também sou poeta. Ainda não
consegui saber se isso é bênção ou maldição, se privilégio ou castigo. Por
isso, boa parte das minhas idéias é, digamos, “exótica”, ou polêmica, para
dizer o mínimo. E juro que não estou fazendo gênero. Penso, realmente, o que
escrevo. Há quem concorde com minhas colocações, até instintivamente. A
maioria, as ignora. E tenho, óbvio, ferozes adversários, com os graus mais
variáveis possíveis de ferocidade. Deixa pra lá!!!
Tempos atrás, se não me
falha a memória em 1992, convidado a redigir o texto de contracapa do livro da
poetisa Odette Teresinha Santucci Octaviano, “Recolhendo Versos” (Editora OLPC Publicações), escrevi o
seguinte: “Que bom seria se a riqueza que tanto a humanidade procura, abrindo
mão da felicidade; se os bens que tanta controvérsia geram e cuja posse é
sempre transitória, dada a mortalidade humana, fossem substituídos pela
colheita dos versos que Odette Octaviano tão bem soube semear nas trilhas do
tempo! Como a vida seria melhor, os sentimentos mais nobres e as emoções mais
sinceras se, ao invés de dar ouvidos aos políticos, aos economistas, aos
generais e aos sociólogos, as pessoas se voltassem para os poetas, entregando
em suas mãos os seus destinos!”
Houve quem concordasse
com minhas palavras, embora as considerassem utópicas (que de fato são). A
maioria, como soe acontecer em relação a tudo o que escrevemos, simplesmente
ignorou o que escrevi, na base do “não li e não gostei”. E houve, por fim, quem,
compreendendo ou não o teor do texto, se opusesse não somente ao seu conteúdo,
mas, principalmente, ao redator. “Nada de novo no front”, portanto. Duvido,
porém, que o mundo fosse pior do que é se fosse administrado por poetas, mas
sem que eles assumissem a condição de administradores, ou seja, de políticos,
economistas, generais, sociólogos etc. e governassem com o “coração”, sem
buscar racionalizar nenhuma questão.
Relendo hoje, por puro
acaso, o livro “Cadeira de balanço” de Carlos Drummond de Andrade (Livraria
José Olympio Editora – Rio de Janeiro – 1972),
topei, na página 52, com a crônica “Organiza o Natal”, que começa da
seguinte forma (e que prometo tratar oportunamente em considerações mais
específicas): “Alguém observou que
cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é
Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal
e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo
desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta
em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas.
Será bom”.
Após a leitura, minha convicção, a propósito da excepcionalidade dos
poetas, que nunca questionei, se consolidou. E tornou-se mais sólida ainda ao
ler o parágrafo seguinte, em que Drummond justifica o sonho de um Natal perpétuo:
“Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à
noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à
cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e
subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de
fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o
desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina
de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira
com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado
espiritualmente, será uma chave para o mundo”.
Estou mais
convicto do que nunca que a salvação da humanidade, com a verdadeira “humanização
do homem”, está nesta simples (posto que utópica, já que os homens adoram
complicar as coisas simples) providência: entregar o comando do Planeta aos
poetas. E encerro, por hoje, esta insólita reflexão da mesma forma que Drummond
encerrou sua magnífica crônica: “Ah! Seria ótimo
se os sonhos do poeta se transformassem em realidade”. “E como seria”,
aduzo, sem pestanejar.
Boa
leitura.
O Editor
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Bons sonhos poeta.
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