O tema esquecido
A sociedade ideal não
existe, embora seja o sonho de idealistas através dos tempos, das décadas, dos séculos
e milênios, em suma, das gerações. Basta atentar para as diversas propostas,
tidas e havidas como utópicas e que, de fato, são. Mas não por serem potencialmente
impossíveis. São porque suas possibilidades de êxito esbarram em um fator que
sempre se mostrou insuperável e irremovível e que as inviabiliza e
impossibilita: a natureza humana. O obstáculo que ao longo da trajetória da
nossa espécie sobre o Planeta sempre se mostrou (e se mostra, mais do que
nunca) impossível de remoção é a propensão, até instintiva, do homem para o
egoísmo, para a ausência de solidariedade (embora esta seja, amiúde, apregoada
aos quatro ventos), para a ilusão do “ter” (coisas e, sobretudo, poder) em
detrimento do “ser”. O que fazer? O dito Homo Sapiens é, e sempre foi, assim e
dificilmente (ou certamente?) irá mudar.
O pensador Herbert Marcuse – hoje fora de moda, mas que foi o guru da
geração rebelde dos anos 60, a que protagonizou os levantes estudantis de 1968
– escreveu, em um de seus livros: “Uma sociedade está doente quando as
instituições fundamentais e suas relações (ou seja, sua estrutura) são de tal
natureza, que não permitem a utilização dos meios materiais existentes para o
desenvolvimento ideal da existência humana”. Por esse parâmetro, há
alguma que não esteja
gravemente, copiosamente, perigosamente enferma, embora sua enfermidade
(ainda) tenha cura? É possível responder
a essa questão até sem necessidade de nenhuma reflexão: não, não e não!!!
Convenhamos, a vida de dois terços da população mundial,
caracterizada por diversos graus de carência e pela incerteza, apenas para que
o um terço restante esbanje os finitos e quase esgotados recursos do Planeta, não é das mais dignas e invejáveis.
E a menos que integremos essa minoria de “nababos”, todos nós – eu, você,
fulano, sicrano e beltrano etc.etc.etc. – estamos nesse instável barco de
carentes, embora em variáveis graus de carência. Em 1992, o Rio de Janeiro
sediou um evento que tinha tudo para ser um marco de mudanças, mas que não
resultou em praticamente nada de efetivo para salvar o Planeta do colapso.
Refiro-me à Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, a tal da “Rio-92”.
Na oportunidade, foram
tratados praticamente todos os problemas que ameaçam a “civilização” e até a
sobrevivência da espécie (tanto os urgentes, quanto os urgentíssimos). Vários
compromissos foram assumidos então, pelos diversos chefes de Estado e de
governo presentes, mas raros, raríssimos, foram cumpridos, passados 21 anos do
evento. Esbanjou-se retórica, exorbitou-se no acalento de esperanças por
praticamente nada. Finda a conferência, a imprensa do chamado Primeiro Mundo,
que reflete o que pensam seus governantes, se queixou que um tema, de suma
importância, deixou de ser tratado na oportunidade: o da superpopulação.
É verdade que a falta de um planejamento familiar cuidadoso é uma das
causas – embora não a única e nem a principal – do aumento do grau de miserabilidade do
chamado Terceiro Mundo. E a miséria, conforme consenso obtido entre os
participantes dessa histórica e inédita reunião, é, por diversos motivos, o
perigo maior para o Planeta na atualidade. A questão, todavia, precisa ser
colocada nos devidos termos. O economista suíço Rudolf H. Strahm, em seu livro “Subdesenvolvimento,
por que somos tão pobres?”, apresenta uma abordagem do assunto que deveria ser
a daqueles que se arrogam donos da Terra, como se esta pudesse ou devesse ter
proprietários e não meros inquilinos, ou tripulantes, já que ela é uma gigantesca nave
a singrar o espaço.
Quem depreda mais os recursos terrestres, em nome de um pretenso
progresso, palavra em torno da qual sequer existe consenso sobre o que seja?
Certamente não são os povos do chamado Terceiro Mundo, caso contrário eles não
deteriam as reservas que detêm e que as sociedades desenvolvidas,
oportunisticamente, se arrogam em “guardiãs”. Strahm, em sua obra, põe o dedo direto na
ferida. Constata: “Superconsumo e penúria caracterizam a situação energética
mundial: um americano do Norte consome em média tanta energia quanto dois
europeus, 55 indianos, 168 tanzanianos e 900 nepaleses. Os 6% da população
mundial que vivem nos Estados Unidos consomem mais de um quarto da energia
mundial e 2,3 vezes mais do que todos os países em desenvolvimento reunidos
(inclusive os países produtores de petróleo)”.
Entende-se, diante desse simples dado – citado, aliás, por um
economista suíço, do Primeiro Mundo e que, portanto, não tem o mínimo interesse
em exagerar estatísticas – a razão pela qual os vários presidentes norte-americanos se recusaram e se recusam a assinar o Tratado da Biodiversidade. Não é só por razões eleitoreiras. Nem por
preocupações humanitárias. George Bush (o pai) argumentou na oportunidade que seu compromisso básico era com o emprego dos cidadãos do seu país. Só
que se fez de esquecido num pequeno “detalhe”. Os recursos do Planeta não são
inesgotáveis nem renováveis e aqueles que os Estados Unidos tinham de sobra,
estão, praticamente, exauridos.
Como suas indústrias vão continuar fabricando milhões e milhões de
unidades de produtos supérfluos, alimentando um consumismo absurdo, sem
matérias-primas ou sem fontes de energia? Strahm assinala, portanto, que a
chamada “explosão demográfica”, para ser colocada em seus devidos termos,
precisa ser “relativizada”. E conclui:”...cada recém-nascido nos Estados Unidos
custa ao meio-ambiente e aos recursos naturais o mesmo que 55 recém-nascidos na
Índia”, por exemplo.
Do ponto de vista da ecologia mundial o consumo de energia, a
utilização de matérias-primas naturais e a degradação do meio-ambiente que
ocorrem nos países ricos são, certamente, tão graves quanto a explosão
demográfica dos países em desenvolvimento. Este, sim, foi o grande tema ausente das
deliberações da Rio-92 (e das demais conferências do gênero
que se seguiram). Embora
fosse mencionado (muito de passagem), não recebeu a ênfase que mereceria. Fica
a impressão de que os povos do Primeiro Mundo acham que os desequilíbrios da
natureza seguirão o mesmo padrão de seu egoísmo e ausência de bom-senso, ou
seja, atingirão somente as sociedades cujos territórios se situam ao Sul da
linha do equador.
Seria este o “paraíso” que sua mídia tanto apregoava
e apregoa – com a adesão oportunística, mas burra, da nossa – como fruto dos milagres da “tecnologia”, que
tais países querem “construir”? Um ambiente como esse,
convenhamos, a pena de Dante
Alighieri idealizou com muito mais talento e humor, só que o denominou de
“inferno”, onde os que entram precisam deixar na porta “todas as suas
esperanças”. Enfim... há quem concorde com isso que aí está, sem sequer
tentar enxergar um palmo, ao menos, diante do nariz.
Boa leitura.
O Editor
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Triste realidade, ou melhor, tristíssima, como você mesmo diz, Pedro. O final já chegou, e não é nada feliz.
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