Música
da vida
(Reproduzo, a título de editorial deste espaço, a
crônica com o título acima, que escrevi e publiquei no Natal de 2005, que cabe
a caráter neste lugar e nesta data)
O Natal, para as pessoas maduras, caracteriza-se,
basicamente, pelo desfile de lembranças. Algumas são amargas e carregadas de
saudade, em especial de entes queridos que já não estejam mais ao nosso lado,
pelo menos em carne e osso. Outras, nos aquecem a alma, nos remetem à meninice
e nos estimulam a fazer de nossa vida o mais belo dos poemas, para que também
permaneçamos vivos na memória dos que nos amam, como tanta gente amada
permanece na nossa. Mas encaro essa festa, sobretudo, como sendo das crianças.
Afinal, destina-se a lembrar de uma muito especial, de um Deus que se fez
homem, que assumiu esta lamentável condição humana para nos ensinar lições
imorredouras.
Os meus mais de 50 Natais foram celebrados em
locais, circunstâncias e com espíritos os mais diversos. Já festejei-o na minha
distante Horizontina da infância, na casa de meus avós; em internatos, em
hospitais, em repúblicas de estudantes, em redações de jornais trabalhando, em
estúdios de rádio, em hotéis e vai por aí afora. E todos deixaram alguma marca,
alguma lembrança, alguma saudade. Celebrei a data com famílias diferentes: a
dos meus pais, a de amigos e a que constitui, junto com os filhos que gerei. Em
algumas ocasiões, a euforia foi a marca registrada, em especial na juventude,
quando a exuberância dos hormônios faziam-me ferver o sangue de tanta vida e
energia. Em outras, por circunstâncias várias, a solidão, a depressão e a
tristeza foram as companhias.
Não há dúvida que com o passar dos anos e com a
sucessão de gerações, especialmente em decorrência da mudança de costumes, a
festa perdeu muito da sua característica religiosa e adquiriu contornos
profanos, quase pagãos. A fantasia substituiu o caráter histórico do nascimento
de Cristo. Seria condenável essa atitude? Quem sou eu para assumir a postura de
palmatória do mundo!?! Parodiando Fernando Pessoa, só posso afirmar que
"tudo vale a pena quando a alma não é pequena!.
Voltaire acentuou, a propósito: "Ah! Se precisamos de
fábulas, que estas fábulas sejam ao menos o emblema da verdade". É o caso
da figura do Papai Noel. Já que ela foi criada com base na figura de um santo
europeu, São Nicolau – com finalidades nitidamente comerciais, para estimular
as pessoas a darem presentes e dessa forma movimentarem o comércio – que
sobreviva, mas que simbolize a bondade e a solidariedade, das quais o homem não
pode abrir mão, sob pena de ressaltar somente a sua condição de fera.
Escrever sobre o Natal, com equilíbrio e
criatividade, é um desafio dos maiores para qualquer escritor. É muito difícil,
por exemplo, escapar da tentação de resvalar para a pieguice, para o
sentimentalismo meloso e exacerbado, que se tornou clichê nesse tipo de texto.
Como não deixa de ser, igualmente, um enorme desafio evitar de destilar veneno,
fel, amargura nessa ocasião, erguendo o dedo acusador contra o nariz dessa
figura vaga que chamamos de sociedade, pelo seu pretenso egoísmo, que permite a
existência de hordas de crianças abandonadas, de famintos, de excluídos e de
doentes. Quem assume esse papel sente-se com a consciência aplacada (ou
anestesiada) com o simples acusar, achando que seu papel se esgota por aí, sem
a necessidade de fazer algo de concreto para corrigir essas distorções sociais.
O Natal é, e deve ser, sobretudo, a festa da vida.
Recorda o insólito nascimento de um Deus, gerado por uma virgem. Fixa na
memória humana e perpetua através da tradição uma lição de suprema humildade,
que atravessou dois milênios, e deve atravessar outros mais, até "o final
dos tempos", ao mostrar que o que importa na vida, e que o homem deve
buscar de forma incansável, não são glórias, riquezas ou ostentações, mas a
conquista de si mesmo.
O Natal deve, portanto, ser um hino em louvor desta
magnífica oportunidade que temos de existir, mesmo que por tempo limitado e com
resultados diversos. É época para meditação, sem dúvida, mas não de amargas
recriminações contra o mundo, ao qual muitos culpam por suas desventuras e
incompetência em gerir o próprio destino. A reflexão ideal para a data é a deixada
pelo escritor Theodor Fontane, que constatou: "Só uma coisa interessa para
onde quer que se vá e seja como for que se vá: nós ouvirmos a música da
Vida". Feliz Natal para todos!!!
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Nestes tempos natalinos, de hipócrita e forjada concórdia, seu texto vem a calhar. Um grande abraço e feliz 2014, Mara.
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