Natal no cinema
* Por
Urda Alice Klueger
(Para Mara Salla)
E então, num dia em que já não sei de que mês era, Papai Noel surgiu na
minha vida de forma totalmente inesperada: parecia-se com uma alta e jovem
gaúcha[1]
que se dizia nascida numa cidade chamada Arvorezinha – pensava ele que eu
acreditei! Sei muito bem que ele vem lá do Pólo Norte! Nesse disfarce, Papai
Noel disse chamar-se Mara Salla – como há a gente de saber quantos são os
disfarces que aquele Ser Encantado usa! Mas já que era assim que ele tinha se
apresentado, fiz de conta que acreditei, e então, para facilitar, vou ficar a
chamar de Mara Salla àquela representação de Natal que tão magicamente surgira
na minha vida! Pois que queria Mara Salla comigo?
Ah! Gente, coisas assim só acontecem em tempo de Natal, mesmo – o que
significa que o tempo de Natal é um tempo que pode ser em qualquer dia, desde
que a gente queira com muita força e continue acreditando em Papai Noel! Pois
tem gente que basta crescer um pouquinho, passar dos dez anos, que já fica
achando que Natal e assemelhados não passam de invenção, e acaba perdendo um
monte de coisas mágicas na vida! Eu, cá da minha parte, jamais deixei de
acreditar – e então, as coisas mágicas sempre continuam acontecendo.
E então Mara Salla primeiro escreveu para mim, e depois, um dia, veio me
visitar, e que queria ela? Ela era cineasta, e queria usar um texto meu (que
está neste livro[2]),
chamado “Por causa do Papai Noel”, para fazer um filme. Como é que a gente não
vai concordar com uma coisa assim? Fiquei toda faceira, toda boba com aquela
escolha de Papai Noel, e passaram-se tempos, meses, penso que quase dois anos,
e um dia fui a um cartório, em Florianópolis, para doar a Mara Salla o direito
de escrever um roteiro a partir do meu texto – mas sabe como são estas coisas
de Papai Noel, não? São todas mágicas e misteriosas, e como já faz tempo que eu
cresci, acabei ficando mais paciente, também, e o tempo que passava não tinha
importância para mim – um dia o filme sairia, e decerto seria LINDO!
Outras coisas, porém, saíram antes do filme: Mara Salla mandou seu
roteiro para o Ministério da Cultura, e ele concorreu lá entre os melhores
roteiros do Brasil, e sabe como é, aquela gente que trabalha com um Ministro
com a sensibilidade de um Gilberto Gil não é boba, não – sacou logo que ali
tinha o dedo de Papai Noel, e o roteiro de “Por causa de Papai Noel” ganhou o
primeiro lugar nacional! Só aquilo já era maravilhoso – mais maravilhoso ainda
foi quando o filme começou a ser rodado de verdade, tendo como cenário a
pequenina cidade de São Pedro de Alcântara/SC/Brasil, e eu passei quatro dias
lá vendo como é que se fazia um filme, e acabei até fazendo uma ponta nele –
coisa de nada, dez segundos, mas que me deram o maior cansaço! – e saí de lá
convicta que a melhor profissão do mundo era a de escritora, depois de ver o
trabalhão que era fazer cinema!
E de novo o tempo passou, e havia muitas coisas a serem feitas no filme,
como trilha sonora, animações e essas coisas das quais não manjo nada. Ainda
antes do lançamento oficial, o filme já começou a concorrer em festivais e a
ganhar prêmios – e todo o mundo pensava que estava a dar prêmios para o filme
de uma cineasta chamada Mara Salla, sem nem se tocar que por detrás de tudo
havia a presença e a magia de Papai Noel!
Então, no dia 18 de Dezembro de 2006, acabou havendo o lançamento
oficial do filme. Foi lá em Florianópolis, e eu fui com a minha amiga Dina, com
o meu afilhado Alexander e com a minha prima Mayde. Pensava que era como ir ver
um filme qualquer, feito por um cineasta qualquer – na hora, mesmo, não estava
me lembrando de que Papai Noel estava por detrás de tudo! E então foi um choque
de grandes emoções dentro de mim, quando fui vendo a beleza do filme, e a forma
como Papai Noel – quer dizer, Mara Salla – conseguira entender uma coisa que eu
achava que só os escritores sabiam, que só eles entendiam – como era possível
viver-se, ao mesmo tempo, diversas realidades – já falei com outros escritores,
inclusive o Grande Mestre Jorge Amado, que concordaram comigo – de que de
repente, dentro da vida real que a gente está vivendo, surgem personagens
fictícios vivendo outras realidades, e que eles passam a fazer parte da vida da
gente como se gente de verdade fossem. Pois Mara Salla entendera tal coisa e a
transportara para o filme (afinal, Papai Noel tudo pode, não?), e conforme via
o mesmo, assolou-me tal sensibilidade por conta dele, que já não era possível
sobreviver sem chorar – e quando as luzes, afinal, foram acesas, eu me acabei
de soluçar nos braços da minha prima Mayde, aconchegantes braços acostumados a
carregar crianças e a entender de Natal.
Mara, minha querida, muito obrigada! Eu sempre fico fazendo de conta que
não sei que você é Papai Noel de verdade! Mas sei, sim!
E o filme? “Por causa de Papai Noel” continua ganhando prêmios. Sei que
neste mês está concorrendo a dois festivais: um em Portugal, e outro em Seul,
na Coréia, tendo também ganho um festival em Moscou, na Rússia – sem contar os
muitos prêmios que ganhou no Brasil. E alguém ainda vai me dizer que Papai Noel
não existe?
Blumenau, 14 de setembro de 2007.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Nenhum comentário:
Postar um comentário