Um menino a passear!
* Por Elaine Tavares
Sou filha do meu tempo e espaço. Nascida numa família cristã, desde
pequenina o natal significou presépio, ou seja, a montagem da hora mágica na
qual um menino veio ao mundo para anunciar uma boa nova. E, com ele, a promessa
de que haveria outra aliança e que nossos pecados todos estariam perdoados. Lá
em casa sempre demos prioridade a isso. Nunca ao Papai Noel, brinquedos,
compras, etc... A expectativa era a chegada do menino. Eu mesma sempre colocava
o sapato na janela, mas a mãe explicava: “os presentes não são coisas, são
sentimentos e desejos”. Então, quando o dia amanhecia eu entendia que um
gurizinho tinha nascido e, por força da mágica da religião, também havia
passado pela janela deixando amor, saúde, alegria e todas essas coisas boas. E
recolhia aquele sapato como se fora a coisa mais preciosa do mundo.
Na minha mente de criança eu imaginava não um velhinho montado no trenó,
com renas e todas estas coisas da celebração européia. Eu acreditava piamente
que havia um menino, bem sapeca, magrelinho e sem camisa, que saracoteava pelo
mundo, montado numa grande estrela, levando presentes invisíveis aos olhos. E
eu esperava o ano inteiro por esta noite de passeio divino. E o legal era que o
fato dele ser um guri tirava toda a pomposidade do sagrado filho. Era como
esperar um amigo, coisa íntima.
Depois eu cresci e fui conhecendo outros mitos, outras religiões.
Aprendi a dar pago à terra (Pachamama) em agosto, a respeitar o trovão, a folha
de coca, as plantas, os animais. Aprendi a honrar Kuaray, jacy, Ñanderu.
Aprendi a reverenciar outras manifestações criadas pelo humano para sustentar
suas dores e medos. Porque é disso que se trata quando se fala de deuses. Eles
são redes nas quais descansamos de nossos terrores. E, esta construção humana
me enche de ternura, porque reconheço aí a fragilidade da nossa raça. Isso me
emociona.
Mas, apesar de tudo o que aprendi sobre os outros deuses, o natal ainda
me encanta de um jeito muito especial, talvez porque esteja colado na minha
mãe, que já encantou. Então, a despeito de todas as impossibilidades, eu espero
o menino. Às vezes, nos tumultos familiares ou no barulho da festa, pode
parecer que eu o esqueci, mas não. Lá no fundo do meu coração, eu o espero. E o
vejo chegar, montado na estrela, rindo seu riso de cristal. Também a despeito
de tudo, ainda deixo meu sapato na janela e o recolho de manhã com a absoluta
certeza de que ali dentro estarão os presentes. Os que verdadeiramente
importam.
E, assim, nesta natal, como em todos os outros já vividos, meu jesuzinho
haverá de vir passear. E eu estarei esperando...
Que ele passe por aí também!...
* Jornalista
de Florianópolis/SC
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