Sedução
que engana
* Por Pedro J.
Bondaczuk
A
beleza, assim como a feiúra, não está nas pessoas, paisagens ou coisas. Está no
nosso interior. Prende-se aos nossos gostos e critérios de avaliação estética.
O que é feio para uns, pode não o ser para outros e vice-versa. Ademais, há
quem considere a beleza não somente útil, como essencial e até transcendental.
São os artistas, que perseguem o belo ao longo de toda a vida. Buscam, porém, a
beleza que concebem por critérios estritamente pessoais.
Há,
contudo, quem a considere inútil e banal – ou por suposto pragmatismo
exacerbado (como diz o povão, “beleza não põe a mesa”), ou por viver em um
mundo sombrio e cinzento, repleto de trevas e horror, ou por ambos motivos, não
importa.
O
poeta Mauro Sampaio retrata o sentimento destes anti-estetas, no poema “Beleza
inútil”:
“A
beleza inútil.
A
imóvel beleza sem reflexo.
Tudo
parte de dentro,
com
a percepção do imponderável.
O
que é, não é, sendo no momento.
O
apelo é interior.
A
necessidade desaparece.
O
amor é desfigurado e sem memória.
Os
gestos pararam.
O
movimento é emprestado.
A
presença é apenas de objeto.
O
tédio abre a boca em um bocejo enorme e inútil.
Inútil
como tudo o mais!”.
Fico
imaginando se, eventualmente, houvesse vida inteligente alhures e se, a
improbabilidade imensa de haver um encontro entre esses supostos (por enquanto
só imaginados) extraterrestres e nós furasse espetacularmente e viéssemos a nos
encontrar. Qual seria a impressão estética dos ETs sobre nós? Tenho quase
certeza que nos achariam horríveis, monstruosos, assustadores. E que a
recíproca seria verdadeira.
Esse
encontro, claro, dadas as megadistâncias do universo, tem probabilidade
beirando o zero de acontecer. E essa só não é absoluta porque o absolutismo,
seja no que for que se pensar, é restrito ao Criador de tudo o que há:
galáxias, constelações, estrelas, planetas, matéria, energia, as mais
minúsculas e invisíveis células etc.etc.etc. No mais... tudo é, pelo menos
teoricamente, possível (posto que improvável).
Nosso
hipotético ET, por exemplo, diante da mulher mais bonita da Terra, certamente
relutaria em se aproximar dela. Avaliaria os riscos de um contato com uma
criatura, na sua concepção estética, horrenda, pavorosa, assustadora e
monstruosa, e se afastaria logo dela.
Caso
fosse, realmente, aquele estereótipo que pintamos dos marcianos, ou seja, um
homenzinho verde, cabeça ovalada e sem cabelos, olhos grandes (duas vezes
maiores do que os nossos), sem cílios e nem sobrancelhas, altura de no máximo 50 centímetros , com
braços e pernas extremamente delgados, a despeito de mãos e pés enormes e
desproporcionais, nos teria na conta de “mal-feitos”. Possivelmente, o seu
susto, diante da nossa presença, seria muito maior do que o nosso face à dele.
Nosso
hipotético ET teria a conformação orgânica adaptável às condições de seu
planeta de origem, ou seja, à composição química dos gases da sua atmosfera, à
força gravitacional da sua terra, à temperatura, pressão etc. etc. etc. Diz a
mínima lógica, portanto, que não poderia, em circunstância alguma, se parecer
minimamente conosco.
Daí,
para ele, nossa maior beldade ser, com certeza, criatura horrenda e deformada.
Estranharia, de cara, por exemplo, a existência de cabelos. Acharia
desproporcional ao conjunto tanto o tamanho dos braços e pernas, quanto o
torneado das coxas (que achamos tão belo e sedutor), além das dimensões das
mãos, dos pés, dos dedos, dos olhos e vai por aí afora. E o que acharia dos
seios? Horríveis!
Mesmo
para nós, que por instinto, consideramos um corpo humano maravilhoso (alguns
deles, claro, não todos), se o analisarmos, em relação, por exemplo, às flores,
com seu colorido e simetria, talvez venhamos a mudar, e radicalmente, nosso
conceito. Ademais, como tudo o que é vivo, esse organismo que admiramos em todo
seu esplendor, tende a envelhecer, a murchar, a morrer e a se decompor.
Vem-me,
a propósito, à mente, trecho do romance “A Pata da Gazela”, de José de Alencar,
que anotei em minha agenda de trabalho, em que o romancista constata: “O
que é o corpo humano no fim de contas? O que é o contorno suave de um talhe
elegante, e a cútis acetinada de um rosto ou de um colo mimoso? Um pouco de
matéria a que a luz transmite a cor, o espírito e a vida. Tirem-lhe esses dois
alentos, e verão que lodo impuro e nauseante ficam sendo aquelas formas
sedutoras”.
Por isso, eu não
estranharia nada, nada se algum hipotético ET que nos visitasse (ou nós
visitássemos seu planeta, não importa) se aterrorizasse com a nossa aparência
física, o que acho absolutamente provável. Principalmente diante de um ser
humano de maior idade, considerando a possibilidade do seu processo de
envelhecimento se dar muito mais lentamente do que o nosso e dele viver séculos
(quem sabe milênios) e não meras sete ou oito décadas, se tanto, como ocorre
conosco.
A beleza, portanto, assim
como a feiúra, são sempre relativas. Principalmente a primeira, é, de fato,
sedução enganosa. Caso nos engane (e engana sempre e muito), não enganaria, sem
dúvida, nosso hipotético ET, que gritaria de pavor e fugiria espavorido para
onde suas pernas (ou asas caso as tivesse) o levassem, para bem distante de
nós. Como se vê, questão de ponto de vista...
* Jornalista,
radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual
Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do
Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Nenhum comentário:
Postar um comentário