Confissões
* Por
Clóvis Campêlo
A burguesia fede, a burguesia quer ficar rica.
A classe média também. Espremida entre os donos do poder no mundo e os
deserdados e excluídos, a classe média treme. Mas, afinal quem somos nós? Como
se definem os limites desse segmento social tão importante e ao mesmo tempo tão
insignificante em suas aspirações pequenos-burguesas?
Uma grande definição das contradições da nossa classe média, foi a mim
dada pelo amigo e vizinho José Carlos de Paula, um cearense radicado no Recife
há muito tempo.
Quando daquele acidente aérea da TAM em São Paulo, o maior da nossa história (a
imprensa burguesa sempre faz questão de super-dimensionar os fatos, torná-los
hiperbólicos para vender mais e melhor as notícias), o meu amigo Zé disse que
estava com a consciência tranquila em relação à "tragédia" e essa
tranquilidade lhe havia sido transmitida por um dos sobreviventes ao falar em
cadeia nacional que Deus é que lhe havia salvado a vida. Ora, se ele havia sido
um dos escolhidos para não morer, juntamente com outros que também escaparam do
monumental acidente, por que chorarmos a morte dos que não foram escolhidos
para a vida? Existe aqui uma tremenda contradição sentimental e religiosa.
Afinal, quem somos nós para duvidarmos dos designios divinos, não é mesmo? Por
mais que William Bonner tentasse me convencer do contrário e tentasse culpar o
Governo pelas estrias da pista, Zé Carlos me parecia mais convincente.
Por analogia, eu pergunto: por que devemos sempre chorar a morte dos
filhos da classe média, quando diariamente são mortos e exterminados, sem
nenhuma complacência, de susto, de bala ou vício, os filhos dos excluídos, dos
comedores de siri na beira das marés e nas palafitas que enfeiam as nossas
cidades? Afinal, em que categoria social mais se morre e se é exterminado? A
classe média paga alto para chorar os seus filhos mortos. Os excluídos, nem
esse direito têm.
Morremos porque a morte faz parte da vida e também porque vivemos no
fogo cruzado de tensões sociais que, na maioria das vezes, nem sequer
entendemos.
O sistema, independentemente de que momentaneamente está no seu comando, está
se lixando para isso. Isso não lhe interessa. A sua preocupação é outra, são os
lucros, os números, os superavits. Quem quiser que se exploda. Ou que exploda o
outro. Para ele, somos acessórios descartáveis e interessantes apenas enquanto
podemos lhes ser úteis.
A origem da violência urbana pode ser explicada sob vários ângulos ou
concessões filosóficas e ideológicas. Cada um pode escolher a que melhor lhe
cabe, convém ou consola.
Poeta, jornalista e radialista
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