Renascimento
da luz
(Reproduzo, a título de
editorial deste espaço, a crônica com o título acima, que escrevi e publiquei
no Natal de 2003, que cabe a caráter neste espaço e nesta data)
O Natal é uma data que se presta a muita pieguice, a
muita demagogia, a muita hipocrisia por parte de um número considerável de
pessoas. Tornou-se, há muito, data fundamental para o comércio, para garantir
boas vendas no fim de ano e fechar o balanço anual com lucros. Cristo deixou de
ser seu personagem central, para ceder lugar a uma fantasiosa figura, criada
pela lenda e pela imaginação, o "Papai Noel". Mas é também, para
muita gente, um período especial de reflexão e, (por que não?), de alegria. É
uma pausa benfazeja na luta cotidiana pela sobrevivência.
Para uns, é só uma festa, como outra qualquer,
desculpa para se abusar da comida e da bebida. Estes encaram Natal, Ano Novo,
Carnaval, Páscoa, etc, da mesmíssima maneira. São os insensatos que tentam, em
vão, fugir de si próprios. Para outros, trata-se de um período de amargas
recordações, principalmente para os que tiveram infâncias infelizes e são
incapazes de se livrar de traumas e de lembranças espinhosas. Ou para os
desamparados, os desempregados, os solitários e os que não têm o mínimo recurso
para prover a própria subsistência com dignidade.
Há, é claro, os equilibrados. Os que aproveitam a
data para agradecer a Deus, aos parentes, aos amigos e até aos inimigos por
tudo o que de bom lhes aconteceu. E até pelas coisas ruins, que sempre têm um
aspecto didático, o de nos ensinar a viver. Existem os solidários, os que se
preocupam com o sofrimento do próximo, e visitam, nessas ocasiões, orfanatos,
asilos, hospitais e prisões para levar um pouco de calor humano e de recursos
materiais aos que necessitam. Estes não conseguem espaço na mídia e nem querem.
E a maioria das pessoas sequer sabe que existem. Não fazem alarde da sua
caridade e não buscam recompensa por ela, senão a advinda da satisfação de
fazer alguém feliz. Sabem que se fizessem propaganda da sua generosidade, esta
não seria genuína, mas mero investimento para lhes incensar a vaidade.
É comum, nas ocasiões de Natal, aparecerem indivíduos que
assumem a postura de "palmatórias do mundo". Criticam e condenam,
como se fossem os donos da verdade, os que festejam a data, (sobriamente ou
não) sob o pretexto da existência de tanta criança abandonada nas ruas, de
tantos lares desfeitos e infelizes, de tantas pessoas famintas e sem-teto e de
tanta desgraça neste frágil Planeta. Estariam certos, se sua atitude não fosse
mera demagogia. Carências, injustiças e distorções de fato existem e sempre
existiram. Se continuarão existindo, depende da cabeça das gerações futuras.
Estes críticos, no entanto, são os tais do "faça o que falo e não o que
faço". Eles próprios promovem nababescas ceias, em que cometem toda a
sorte de excessos, com a consciência acalmada (ou anestesiada) pelo simples
fato de haverem "lembrado" dos carentes, dos humildes, dos deserdados
da sorte, dos miseráveis e infelizes que pululam por aí.
Mas se algum desses pobres bater-lhes à porta,
certamente os escorraçarão. Se alguma criança abandonada pedir-lhes um pedaço
de carne, um copo de refrigerante, uma castanha seca que esteja sobrando em sua
mesa, é possível que ameacem chamar a polícia para tirar a infeliz da frente de
sua casa. É lícito, válido e correto que se festeje com alegria e moderação o
Natal. Afinal, trata-se de uma festa de aniversário. Quem puder presentear os
entes queridos, que o faça, mas como um ato de amor, e não como obrigação. E
não é o valor pecuniário do presente que conta. É sua oportunidade. É a
lembrança. É o espírito com que é dado. Quem não tem condições de dar nada, que
não dê. Não deve fazer loucuras, a ponto de comprometer as finanças pelo
restante do ano. Há infinitas formas de se mostrar estima por alguém que não
seja a material. E amor não se compra.
Para os que podem e sentem no íntimo a necessidade
de mostrar solidariedade com os necessitados, que o façam. A sensação de
bem-estar que esse gesto lhes trará é enorme e não tem preço. Mais benefícios
íntimos aufere quem dá do que quem recebe. Um conselho, uma orientação, uma
informação, ou um simples gesto de compreensão não custam nada e muitas vezes
podem salvar uma vida, modificar um destino, iluminar um caminho. Porque o
Natal é, antes e acima de tudo, uma alegoria do renascimento da luz no mundo e,
em especial, no coração dos homens de boa vontade.
Boa leitura.
O Editor.
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