O Yanmar que salvou o Natal
* Por
Fernando Yanmar Narciso
Mesmo que não existam essas coisas no Brasil, quais são as primeiras
imagens que costumam vir à mente no mês de dezembro? Telhados enfeitados com
lâmpadas multicoloridas, bonecos de neve no jardim, criancinhas de casaco e
cachecol cantando músicas natalinas de porta em porta, castanhas na lareira,
patinação no gelo... Quer festa mais brasileira que o Natal? Quando se é
criança o ano se divide basicamente em três fases: Ganhar brinquedo no
aniversário, ganhar brinquedo no dia das crianças- Ou dia de Nossa Senhora
Aparecida, se preferir- e ganhar brinquedo no Natal. Por nós ou elas, o ano
podia ter só esses três dias e já tava bom demais.
A criança sabe que está deixando de ser criança quando começa a achar
roupas e livros embaixo da árvore. “Ei, que história é essa? Cadê meu Lego?
Meus Transformers? Meu Max Steel? Minha mansão da Barbie? Quem tá me sabotando
nessa família? Livros de presente? Eu já passo nove meses com a cara metida
neles, quem me deu esse livro de presente merece a guilhotina!”
Como não adorar o mês de dezembro? Pode não parecer, mas esse ser
peçonhento e reclamão que vos fala não consegue se segurar diante da gôndola de
panetones do supermercado ou dos embrulhos embaixo da árvore de natal, apesar
de eu escrever artigos detonando as festas quase todo ano. O primeiro brinquedo
que acho que toda criança ganha- ou ganhava, porque foram tirados de circulação
pelo Inmetro- é aquele andador em formato de disco voador com quatro rodinhas,
que o nenê pilota do meio.
No ano seguinte, os pais costumavam nos dar o Velotrol vermelho, de
plástico oco e que fazia um barulhão quando passava pela calçada. Mas as ruas
de hoje são tão perigosas que acho que os pirralhos ganham a primeira bicicleta
só aos doze anos. Junto com as chaves de casa e o smartphone, que meio que mata
aquele sentimento nostálgico de liberdade sobre duas rodas. Coisa comum em
nossos tempos de moleque era ver a mini-gangue de arruaceiros do bairro
descendo as ladeiras na manhã do dia 25 à bordo de bikes, skates, patins e,
dependendo do esbanjamento da família, mobiletes ou carrinhos motorizados, tudo
novinho.
Semana passada, rompi um de meus últimos elos com a infância. Aposentei
nosso bom e velho pinheirinho, que adornava a casa desde 1995. Para uma criança
de 11 anos ele era vistoso e enorme, com pouco mais de um metro e meio, mas
conforme ficava mais velho me convencia a cada ano que, em vez de um pinheiro,
ele mais lembrava uma escultura da Bienal de Artes feita com escovinhas de
privada, e só depois de algumas doses de Domecq com gelo ela começava a lembrar
vagamente um pinheiro.
Acreditam que consigo me lembrar de nossa primeira árvore? Já sabem que
era um rei das “capetorias” quando criança. A hiperatividade transformava
qualquer coisa em minhas mãos em armas de destruição em massa, até um floco de
algodão. Portanto, mãe nem podia sonhar em montar uma árvore cheia de bolinhas
de vidro e lampadinhas incandescentes. A solução foi comprar um pinheirinho
pequeno que parecia um brinquedo, 100% em plástico, com bolinhas de isopor
enroladas em linha, sinos, guirlandas, velinhas e Papais Noéis feitos de
papel-cartão e purpurina, um joguinho de dez lâmpadas coloridas e, nunca me
esqueço desse detalhe, duas carinhas de Papai Noel de plástico, brindes das
bandejas de Danoninho. Pagaria qualquer preço por essas relíquias no
Mercadolivre! E, mesmo com tanta precaução, os enfeitinhos viviam rasgados,
mastigados e remendados com durex.
Em 93 minha mãe precisou fazer exames fora da cidade, e surgiu a ideia
de eu viajar com minha avó, meus tios e primas para um acampamento militar em
Carapebus, no Espírito Santo. Uma das grandes viagens de minha vida,
desconsiderando um velho meio pedófilo que brincava com a gente no playground
(Antes que perguntem, não era quem vocês estão pensando). Quão grande foi minha
surpresa quando voltei para casa e vi a melhor árvore de natal de minha vida?
Pai trouxe para a sala de estar uma árvore que ficava na varanda, enorme e
muito parecida com um pinheiro. Os enfeites de papelão e isopor eram coisa do
passado, agora era tudo novo, lindo, portentoso, cintilante... Digna de um
Shopping Center de cidade do interior ou daqueles filmes natalinos cafonas
americanos. A própria sarça em chamas da fábula de Moisés!
A última vez em que cri em Papai Noel foi aos cinco anos. A partir dos
seis, já sabia bem de quem devia torrar a paciência pra conseguir o presente
que “fiz por merecer” o ano todo. Alguns brinquedos que ganhei no fim do ano
permanecem guardados em minha memória até hoje. Tive o cobiçado Meu Primeiro
Gradiente, ao qual fiz o favor de inutilizar tacando areia dentro no dia 26.
Tive um par de walkie talkies, que eu e meus amiguinhos nunca
conseguimos fazer funcionar direito. Também tive uma réplica de martelo, de
borracha, que fazia som de vidro estilhaçando mesmo quando agitado contra o ar!
Colecionei muito aquelas cestinhas de supermercado, com miniaturas de latas de
aveia Quaker, caixas de Sucrilhos, cerveja Skol, margarina Primor e Toddy.
Ganhava muito Lego, Playmobil, Comandos em Ação, bonequinhos de herói japonês,
jogos de tabuleiro os quais sequer abri as caixas... Infância saudável, apesar
do bullying.
Nas tradições nórdicas e americanas, São Nicolau tem uma lista
quilométrica de criancinhas boas e sacanas. As boas recebem o presente que
pediram e as sacanas, como prêmio de consolação, encontram nas meias pedaços de
carvão pra pôr na lareira. Se Nicolau, vulgo Papai Noel existisse de verdade,
penso que ele teria de desmatar a floresta amazônica inteira umas sete vezes
seguidas, só pra fazer meu carvão... Boas festas para todos!
*Designer e escritor. Sites:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
http://cyberyanmar.deviantart.com
HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos
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Você tem o coração mole, embora tente manter-se longe das emoções. Feliz Natal!
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