Conversa com Papai Noel
* Por
Gustavo do Carmo
— Ho ho ho! O que você
vai querer de Natal, meu filho?
— Um emprego e uma
namorada.
— Ho ho ho! O emprego é
pro seu pai?
— Não. É para mim
mesmo.
— Você? Mas tu és tão
novo, meu filho?
— Novo? Eu já tenho 32
anos, Papai Noel! Meu pai tá me cobrando
isso há dez anos! Antes fazia chantagem pelo emprego. Agora está exigindo que
eu me case!
— Então porque você
está sentado no meu colo? Perguntou o Papai Noel, fingindo raiva com o riso.
— Oh, me desculpe. É
costume. Mesmo não acreditando em Papai Noel desde os seis anos, sempre mantive
essa tradição de falar com ele. E Gualberto se levantou, colocando-se ao seu
lado.
— Olha! Você não quer
ser o meu assistente?
Gualberto olhou para a
fila do shopping e viu muitas crianças. Algumas fazendo manha e chorando em
alto decibéis.
— Ai, desculpa, Papai
Noel. Eu não gosto de crianças. Tenho muito respeito, mas quero evitar
trabalhar para elas.
— Está bem. Aceitou,
contrariado. Então me conte o emprego que você quer.
— Eu sou jornalista e
publicitário. Só que prefiro trabalhar como roteirista ou redator.
— O quê? Não ouvi.
Olha, você aí em pé eu não vou ouvir o que vai falar.
— Perdão. Eu me agacho
aqui.
— Não, não. Vai cansar
sua perna. Eu vou chamar a Lorraine, minha mamãe Noel, pra trazer um banquinho.
E se vira para a assistente. — Lorraine, por favor, traz um banquinho aqui pro
meu devoto.
A moça, muito bonita,
de cabelos longos pretos, pele alva, seios fartos destacados em um generoso
decote e olhos verdes, atende ao pedido do protagonista do Papai Noel, levando
o banco. Mas antes, ela se aproxima de seu ouvido e diz:
— Papai Noel, este
rapaz está ocupando o senhor. Já tem pai de criança reclamando.
— Mas ele é meu fã
também. Manda esperar. Deixa só eu terminar de conversar com ele aqui.
— É, realmente, estou
atrapalhando o senhor. Eu vou me levantar. Deixa que eu levo o banco.
— Mas repete no que
você é formado.
— Eu sou jornalista e publicitário. Mas prefiro
trabalhar como roteirista ou redator.
— Você é exigente,
hein? Faz o seguinte. Fala com a Lorraine, que o pai dela é jornalista e ela
também faz jornalismo. Vê se ela pode te indicar pra alguém.
— Eu fico sem graça.
— Você não é
jornalista? Jornalista tem que ser comunicativo. Se não conseguir emprego, quem
sabe, não consegue a namorada que você quer?
Disfarçando a sua
contrariedade com o conselho do Papai Noel, Gualberto se despediu dele e o
deixou finalmente livre para atender as verdadeiras crianças. Seguiu o conselho
do bom velhinho. Aproximou-se de Lorraine, que guardava alguns objetos na
casinha e perguntou.
— O Papai Noel me disse
que você faz jornalismo.
— É verdade.
— Você tá ocupada? Se
estiver eu volto depois.
— Não. Não. Já estou
encerrando o meu turno. Pode continuar. Disse, sem olhar para o rapaz.
— Ele também me disse
que o seu pai também é jornalista.
— Ah! Esse Papai Noel! Deve ter te contado a
minha vida inteira. Brincou, fingindo irritação. — Só faltou ele dizer que eu
estou encalhada e quero arrumar um namorado, né?
— E você não tem?
— Claro que não.
— Mas você é tão
bonita. Duvido que não tenha um.
— É por falta de tempo.
Estudo, trabalho pra pagar a faculdade e ainda faço estágio. Nem tenho tempo
para namorar.
— Ah, tá. Você me dá
seu e-mail para eu mandar o meu currículo para o seu pai?
— Eu te dou, sim. Mas
posso te levar até o escritório dele para você deixar pessoalmente.
— Eu estou sem ele
aqui. Preciso passar em casa para imprimir um.
— Eu vou com você. Como
disse, já estava saindo.
— Agradeço.
— Mas eu não sei o seu
nome.
— É João Gualberto. Mas
sou mais chamado pelo segundo nome.
— Prazer, Lorraine.
Os dois trocaram
apertos de mão. Saíram juntos. Na despedida, Gualberto fez um gesto agradecido
com o polegar ao Papai Noel, que retribuiu. Antes, a assistente de Papai Noel
passou no banheiro do shopping para trocar de roupa.
Sem nenhuma
desconfiança mútua, Gualberto levou Lorraine para sua casa, apresentou-a à sua
mãe como uma amiga da faculdade, imprimiu o currículo, se arrumou para levá-lo
ao pai da moça e saíram juntos para a emissora onde ele trabalhava.
Gualberto conheceu a
emissora e a redação, onde Lorraine tinha trânsito livre, esperou o pai sair da
reunião de pauta do telejornal do qual era editor-chefe e entregou o currículo
ao mal-humorado e esnobe jornalista.
A velha criança, fã de
Papai Noel aos 32 anos, não conseguiu o emprego, mas conquistou o amor e a
confiança de Lorraine, que levou uma bronca do pai por levar desconhecidos à
redação. Logo, o experiente jornalista também confiou no genro.
Gualberto passou o seu
primeiro Natal com namorada, mas não pôde virar a noite com ela. Cada um com a
sua família. No almoço do dia 25 foi à casa da moça. O milagre de Natal
terminou uma semana depois, junto com o namoro. Gualberto e Lorraine não chegaram
a um acordo sobre onde passar o Ano Novo. Cada um preso à sua tradição
familiar.
* Jornalista e publicitário de formação e escritor
de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São
Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora
Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu
blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores
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