O feliz Natal do Eduzinho
* Por
Carlos Motta
A
imagem mais forte que tenho do Natal é a do Eduzinho, contínuo que trabalhou um
século no Estadão, que, numa das muitas conversas que tivemos anos atrás, me
falava do maior desejo de seu filho, um gigante com alma de criança:
- A
sua alegria é ir ao shopping ver o Papai Noel.
O
Eduzinho ficou me devendo a foto daquele doce homenzarrão com o Papai Noel.
Tudo bem, eu acredito na sua palavra. Afinal, não é preciso estudar as
escrituras para saber que os puros de coração são o único motivo para este
mundo ser, pelo menos, tolerável.
O
fato é que nunca vi o Eduzinho, com todos os seus problemas de saúde e com a
constante falta de dinheiro, reclamar da vida.
E
parecia que ele gostava realmente do que fazia e das pessoas que conhecia
naquela redação.
Talvez por enxergar nele essa sinceridade que
falta em tanta gente é que ninguém reclamava quando ele pedia dez reais para
comprar "uma mistura" para o almoço.
-
Devolvo assim que sair o pagamento – dizia, com ar sério.
Eu
fazia cara de quem acreditava na promessa raramente cumprida porque sabia que
era isso o que o Eduzinho esperava de todos nós: ser tratado com respeito, sem
pena.
Nesta época, quando tantas hipocrisias se
purgam com votos de felicidades da boca para fora e presentes comprados no
último instante, fico imaginando como será o Natal na casa do Eduzinho, lá num
bairro esquecido da periferia da Zona Leste paulistana.
Sei que a sua casa é muito modesta, sei que
ele precisava dar umas facadas no pessoal da redação para completar o
orçamento, sei que ele levantava bem cedo e saía tarde do trabalho.
Mas
sei principalmente que ele levava todos os anos aquele seu filho já adulto para
se maravilhar com a roupa vermelha e as longas barbas brancas do Papai Noel do
shopping-center.
Só
isso já me dá a certeza de que o Natal na casa do Eduzinho é especial, talvez
sem enfeites, talvez sem champanhe, mas pleno daquilo que é essencial ao homem:
o amor aos desprotegidos, aos pequenos e aos necessitados.
(Crônica publicada originalmente no Natal de 2008. Revi o Eduzinho uns dois anos depois, estava viúvo, havia mudado para a Zona Norte, tinha saudade do tempo do Estadão, perguntou por vários colegas, e ainda cuidava de seu filho. A saúde andava ruim, ele sempre teve problemas de hipertensão, acabou aposentado por isso. Espero, de coração, que ele e seu filho tenham um ótimo Natal, estejam onde estiverem)
* Jornalista
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