Prestígio e desprestígio de Machado de
Assis
Machado de Assis é, passados 107 anos da sua morte, se não o
escritor mais estudado e analisado no mundo em todos os tempos um dos mais
focalizados. Sua vida e sua obra vêm sendo dissecadas, remexidas e viradas no
avesso ao longo de mais de um século. Para que o leitor tenha uma idéia,
informo que em um primeiro levantamento informal que fiz a esse propósito
localizei pelo menos 200 livros tratando de Machado de Assis. Tudo é motivo
para escrever sobre ele: sua vida, sua obra ou mesmo alguma produção
específica, em verso ou prosa, de ficção e de não-ficção. Nesse último caso, o
romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” mostra-se imbatível como tema de análise.
Estendendo um pouco mais meu levantamento, essa bibliografia
machadiana mais que dobrou, praticamente triplicou, atingindo mais de 500
volumes. E creio que não detectei sequer 10% do que se escreveu sobre ele:
sobre quem foi e o que fez. Nessa apuração não entram crônicas e ensaios
publicados em jornais e revistas e nem monografias acadêmicas. Suponho que, se
fosse possível contabilizar esse material, as referências a Machado de Assis
ascenderiam, sem exagero, a algumas dezenas de milhares. Quantas? Como saber?!
E a cada dia, mais e mais pessoas escrevem a seu respeito, ora encontrando
ângulos inéditos, não abordados por ninguém (tanto acerca do que produziu
quanto de episódios da sua biografia), ora repetindo (como é meu caso) o que
tantos e tantos já escreveram.
Pouquíssimas pessoas no mundo gozaram ou gozam de tamanha
reputação em suas respectivas atividades. De uns vinte anos para cá, com a
tradução dos seus principais livros para os idiomas mais falados do Planeta,
abundam considerações e análises de renomados críticos e artistas
internacionais, a maioria esmagadora com opiniões favoráveis. A tônica dessas
avaliações (salvo uma ou outra exceção, atribuída a desconhecimento ou até
mesmo a certo preconceito) é a de que Machado de Assis foi mais um desses
tantos gênios, “injustamente relegados à negligência mundial”.
Quando escrevi isso, há umas três décadas, fui alvo de
inúmeras críticas (muitas das quais acompanhadas, até, de mal educados
impropérios). O mínimo que disseram sobre mim é que sou desses ingênuos que se
empolgam facilmente por meia dúzia de palavras bonitas e que não entendia
“nada” de Literatura. Bem, admito que ainda não entendo “tudo” a propósito.
Ninguém entende. Mas daí a dizerem que não sei “nada” sobre esta que sempre foi
a minha paixão, é, no mínimo, irresponsável e reducionista ilação, feita,
ademais, por quem não sabia nada absolutamente nada a meu respeito. Fico
pensando se estes meus gratuitos e obscuros críticos de ocasião ainda pensam a
mesma coisa sobre mim, passado tanto tempo. Duvido que pensem. Ou, se pensarem,
duvido que tenham a ousadia de se manifestar com tamanha virulência e fúria,
como então.
A questão do prestígio de Machado de Assis, quer no seu
tempo, quer atualmente, requer comentários mais extensos e fundamentados, que
me proponho a fazer oportunamente. Ressalto que nem sempre o escritor gozou (e
ainda não goza) de unanimidade. Aliás, como dizia o saudoso e polêmico
jornalista, escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”.
E como é! Todos têm o direito à própria opinião, seja lá sobre o que for, mas têm
que se responsabilizar por ela. Têm que arcar com as conseqüências das que
forem desfavoráveis a alguma coisa ou, principalmente, a alguém, porquanto quem
for eventualmente atingido (ou quem for adepto da “vítima” atingida),
certamente reagirá. No caso de personalidades como Machado de Assis, essa
opinião (favorável ou não) terá que ser, no mínimo, convincente e justificada,
sob pena de quem opinar sem esse cuidado cair em absoluto ridículo e se tornar,
em casos extremos, alvo de escárnio público.
Quando não se tem pleno conhecimento de causa, manda a
prudência que se cale a propósito de determinados temas. Como alguém pode
opinar, racionalmente, sobre o que ignora? Não pode, é evidente, embora muitos
e muitos e muitos o façam e depois reclamem das conseqüências. Querem algumas
opiniões desfavoráveis sobre a obra de Machado de Assis? Pois lá vai uma. Em
1881, um tal de Urbano Duarte, que não sei quem foi (nesse caso, confesso minha
ignorância) afirmou que o romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” era uma
obra “falsa, deficiente, sem nitidez e sem colorido”. Será que ele, pelo menos,
leu o livro? Se leu... ou tinha péssimo gosto ou era preconceituoso, achando
impossível um mulato escrever algo tão bom e criativo. Não se esqueçam que
naquele tempo a escravidão ainda estava em pleno vigor no País. Esses arroubos
preconceituosos, diga-se de passagem, eram muito comuns em relação a Machado de
Assis, posto que dissimulados: nenhum dos que agiam assim tinha coragem de
assumir seu preconceito face o prestígio que o escritor gozava
Capistrano de Abreu – este bastante conhecido – também questionou
“Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Indagou se o livro era mesmo um romance,
dando a entender que achava que não. Ora, ora, ora. Outro comentarista, cujo
nome me foge, teve a petulância de afirmar que a dita obra não tinha nenhuma
correspondência na literatura do Brasil e de Portugal. E concluiu que, por
isso, não podia ser classificada como romance. Era um argumento tão ridículo e
pueril que sequer mereceria consideração. Nem os modernistas, da Semana de Arte
Moderna de 1922, pouparam críticas à obra ficcional de Machado de Assis. Embora
influenciados por seu inovador estilo, que muitos não tiveram sequer a grandeza
de reconhecer, consideravam o pioneiro escritor como “artificioso, sem vida e
fora da realidade cotidiana”. Barbaridade! Abstenho-me de comentar tal
disparate. Enfim...
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Finalização bombástica e lúcida.
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