segunda-feira, 13 de abril de 2015

Bigode e cavanhaque


* Por Daniel Santos


No dia em que cheguei da escola com um dez em redação, meu pai retrucou “estudante é para estudar” e, em vez de seu abraço, ganhei-o de um amigo, entusiasta e fraternal, que me convidou à casa dele pela tarde.

Talvez quisesse brincar, mas já do jardim defronte à sua porta percebi algo diferente lá dentro: música alta, balões coloridos por toda a sala ... O cenário era de festa. Para mim! – anunciou a mãe do amigo.

Festejavam o meu dez na escola, e recebi ali abraços que a família  me negara! Mais: no centro da mesa, um bolo de chocolate cravejado com cerejas parecia uma jóia suntuosa e, dele, o amiguinho e eu nos fartamos.

Pois comíamos e pulávamos pela sala como cabritinhos felizes, enquanto os adultos batiam palmas à nossa volta. Da casa ao lado, meu pai a tudo assistia com intrigada expressão e gritou “vá se lavar, seu lambão!”

O espelho mostrou que o chocolate desenhara em meu rosto bigode e cavanhaque, mas além disso o afeto me dera inédita importância. Agora, impertinente e já homenzinho, comi ainda mais bolo. E não me lavei!

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

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