Nosso maior desafio
A vida é constituída de desafios que temos que enfrentar do
nascimento até a morte. Somos desafiados, principalmente, a superar as circunstâncias
que surgem em nosso caminho, de maneira aleatória e surpreendente. Alguns acreditam
em “destino”, em determinismo, em dependência prévia de decisões alheias, como
se fôssemos meros bonecos de marionetes, manipulados por algum títere, por
alguma entidade superior e soberana. Não somos! A experiência e a lógica
indicam que essa postura é absurda. Não passa de pueril tentativa de quem pensa
assim de justificar, previamente, seus possíveis fracassos.
Nosso desafio, no caso, é o de procurar ampliar (e perpetuar)
as circunstâncias favoráveis e de alterar (ou extinguir) as que sejam ruins, A
maioria fracassa nessa empreitada. É condenada a uma vida cinzenta, sofrida,
dramática e infeliz. Tratei desse tema muitas vezes, descobrindo, a cada nova
abordagem, ângulos novos da questão. Em um texto, escrito há uma década
(creio), observei, à certa altura: “O homem, desde o nascimento até a hora da
morte, é confrontado, diariamente, por pequenos e grandes desafios. Recém nascido,
é desafiado a fazer o reconhecimento do mundo ao seu redor e fixar no cérebro
ainda ‘virgem’, e portanto mais receptivo, os primeiros conceitos, que não
entende, mas que ficarão gravados em seu subconsciente até morrer. Depois, é
incitado pelo instinto a segurar a cabeça, a sentar, a engatinhar, a andar, a
falar...”
E prossegui: “Posteriormente, vem o delicioso período da
fantasia infantil. Chega a época dos brinquedos, que nada mais são do que
treinamentos para a realidade que o indivíduo terá de enfrentar no correr do
resto da sua existência. Esta fase é seguida pela da educação. Primeiro, no
lar, com os pais e irmãos, aprendendo, instintivamente, os conceitos de
autoridade, dever, interação social etc. E os desafios prosseguem vida afora”. À
certa altura, ponderei: “Os desafios que temos que enfrentar... são individuais
e coletivos. Envolvem pessoas, famílias, comunidades, países ou gerações. É a
sua capacidade de enfrentá-los que permitiu a esse animal estranho e frágil
sair da caverna primitiva, rumo à conquista do espaço, para se tornar o mais
forte de todos os seres viventes”.
Enumerei alguns desses desafios vencidos, com os respectivos
resultados: “Esta criatura forçou a própria natureza e jamais se entregou ao
seu rígido domínio. Aprendeu a andar ereto, desenvolveu habilidades manuais e
expandiu o próprio cérebro. ‘Refez-se’. Sua insaciável curiosidade levou-o a
obrar maravilhas: desde a fabricação dos primeiros e rústicos instrumentos de
pedra, aos reatores nucleares; dos rabiscos nas paredes das cavernas, às ‘rodovias
de informação’, que trazem o mundo a uma telinha em nossa casa com o simples
comprimir de um botão; da descoberta da agricultura, às viagens espaciais”.
Concluí, no entanto, desolado: “Só não venceu, ainda, o desafio da
solidariedade...”
E não venceu mesmo. Continua tão competitivo quanto sempre
foi. Pior, salvo exceções, compete sem atentar para regras de lealdade, justiça
e piedade com os vencidos. Mostra-se ganancioso, cruel e impiedoso com os mais
fracos. Lança mão de todos os expedientes possíveis e imagináveis para superar
seu semelhante, como se fosse a máxima glória, esquecido que sozinho não é
ninguém. Conserva (quando não amplia) seu instinto animal de “predador”. Trata
todos, até inconscientemente, como presas, indiferente se estas são animais de
outras espécies, se vegetais ou se próprios humanos. Porém, só vencendo o
desafio da solidariedade o homem se salvará, bem como a toda a humanidade, da
extinção. Todavia, indiferente ao perigo iminente, pavimenta celeremente o caminho
da catástrofe e nem se dá conta.
O filósofo e ensaísta francês, Henri Bergson, escreveu: “A vida é um caminho de sombras e luzes. O
importante é que se saiba vitalizar as sombras e aproveitar a luz”. Será que
estamos sabendo como fazer isso? Estamos vitalizando o lado sombrio da
existência e aproveitando seu aspecto luminoso? Quanto mais a humanidade se
multiplica – e ela já chega a mais de sete bilhões de indivíduos – maior se
torna o desafio da necessária conscientização. Conscientizar um punhado de
pessoas, não importa se um milhar, um milhão ou mesmo um bilhão, pode ser
complicado (e é), mas não é impossível. A impossibilidade, contudo, está em promover
a conscientização de TODAS as que habitam o Planeta, dada suas ostensivas
diferenças físicas, mentais, intelectuais etc.etc.etc. E quanto em maior número
elas forem, mais impossível essa imperiosa tarefa se tornará.
Creio que até o mais alienado dos alienados concorda que o
que ai está é ruim, é perverso, é destrutivo, é inadequado e precisa ser
mudado. O artista plástico norte-americano Andy Warhol, expoente da chamada “pop
arte”, que entre outras coisas se tornou célebre por citações de efeito,
afirmou, certa feita: “Dizem que o tempo muda as coisas, mas é você quem tem de
mudá-las”. Pelo menos nesta questão, estava certo. Não será o tempo que mudará
o que tem que ser mudado. Cabe a nós esse desafio.
Peço licença ao paciente leitor para encerrar estas aparentemente
pessimistas reflexões com este trecho de outra crônica minha a propósito de
desafios: “Compete-nos sonhar. Sonhar a não mais poder. Compete-nos agir. Agir
até o limite das nossas resistências. Compete-nos criar. Criar universos de
fantasia, embora com a pobre matéria-prima da realidade. Compete-nos avançar
para além da vida. Jorge Luís Borges escreveu: ‘Fomos feitos para a arte: fomos
feitos para a memória e a poesia: ou fomos feitos, quem sabe, para o
esquecimento. Mal algo sobra; e esse algo é a história ou a poesia, que não são
essencialmente distintas’. Somos desafiados a cada instante a nos definir: o
que somos, o que queremos, para o quê viemos a este mundo louco? Borges revela
que ‘cada um de nós se define para sempre, num único instante de sua vida –
instante esse em que cada qual se encontra para sempre consigo mesmo’. Alguns
adiam ‘sine die’ esse encontro. Outros jamais o promovem. Mas os que têm a
coragem de afrontar seus fantasmas concluem, invariavelmente: ‘apenas a vida
não nos basta...’" Ao que eu aduziria: “é esta vida, que aí está, que não
nos basta. Ou que não deveria nos bastar”.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Fiquei confusa. Afirma que não somos marionetes dirigidas por um ser superior, e ao final sugere que haja outra vida. Gostaria de entendê-lo melhor.
ResponderExcluirNão afirmei que há outra vida. Apenas concluí que esta, que aí está, como está posta, não basta. Convém que nos empenhemos para torná-la, se não ideal, muito melhor. Muito obrigado pelos seus comentários sempre pertinentes e inteligentes..
ResponderExcluirNão afirmei que há outra vida. Apenas concluí que esta, que aí está, como está posta, não basta. Convém que nos empenhemos para torná-la, se não ideal, muito melhor. Muito obrigado pelos seus comentários sempre pertinentes e inteligentes..
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