Pico solitário de nossas letras
A influência de Machado de Assis na Literatura Brasileira
foi, e continua sendo, avassaladora. Além de influenciar decisivamente parte
considerável de sua geração (o que é complicadíssimo, tendo em vista o fator
onipresente nessa atividade, ou seja, a “vaidade”), seguiu e segue
influenciando milhares, milhões de escritores novos que buscam seu espaço nesse
campo tão competitivo, e por isso tão seletivo. É um fenômeno único,
incomparável e inigualável no mundo das letras. Pode-se dizer, sem risco de
engano ou de exagero, que a Literatura Brasileira foi uma antes de Machado de
Assis e é outra, muito diferente, mais rica, criativa, de qualidade e universal
(sem perder o caráter nacional), depois dele. Até mesmo escritores que nunca
leram nenhum livro dele (pasmem, existem muitos!), foram influenciados pelos
padrões estéticos, temáticos e estilísticos que criou. Foi um pioneiro, um
inovador, um desbravador.
Monteiro Lobato, parcimonioso em elogios a seus colegas de
letras e crítico implacável até de figuras tidas e havidas como ícones
literários – compreensível se levarmos em conta o fato de que era empresário do
ramo editorial, dono de uma editora e, por isso, cuidadoso na escolha do que
publicava – escreveu o seguinte a propósito do nosso personagem: "É grande,
é imenso, o Machado. É o pico solitário das nossas letras. Os demais nem lhe
dão pela cintura". É uma avaliação que tem valor multiplicado vinda de
quem veio. Ou seja, de alguém tão rigoroso em relação a escritores. É
sobejamente conhecida a polêmica que Lobato manteve na imprensa por seus
ataques a vários expoentes do modernismo, com críticas ácidas, sobretudo, ao
que considerava “exageros” dos participantes da Semana de Arte Moderna de 1922.
Todavia, sobre Machado de Assis, não poupou adjetivos: “É grande, é imenso... É
o pico solitário de nossas letras”.
No livro “Machado de Assis e a crítica internacional”,
organizado pela dupla Benedito Antunes e Sérgio Vicente Motta (Publicação da
Unesp), consta, em certo trecho: "[...] há um universalismo que Machado
legou à nossa literatura e uma projeção de nossa literatura à esfera
internacional, ao construir uma arte ao mesmo tempo brasileira e universal.
Portanto, a invenção machadiana já pressupunha 'caminhos cruzados'". O
autor de “Dom Casmurro” foi inovador em todos os gêneros literários, embora
seja visto como tal “apenas” no romance e no conto, provavelmente por
desconhecimento do conjunto de sua obra. Inovou, inclusive, no teatro, posto
que tal inovação nunca foi devidamente reconhecida. Basta, porém, ler atentamente
as dez peças que escreveu para detectar claros elementos inovadores.
Um aspecto pouco mencionado é sua atuação na crítica – não
somente literária, mas das artes em geral – sobretudo na imprensa do seu tempo.
Como se vê, por mais que se estude a obra de Machado de Assis, sempre haverá
alguma lacuna, algo não observado e a ser estudado, analisado e comparado. Há
quem conteste sua produção poética, considerando-a “comum”, trivial, pelo menos
sem o mesmo brilho dos seus contos e romances. Atribuo isso, igualmente, ao
desconhecimento. Leiam seus quatro livros do gênero (“Crisálidas’, “Falenas”,
“Americanas” e “Ocidentais”) com a devida atenção e verão seu caráter sumamente
inovador.
O poeta, jornalista, crítico literário e professor de
Literatura pernambucano, Francisco César Leal (falecido em 5 de junho de 2013),
observou a propósito, em memorável conferência que proferiu em 2008, na
Academia Brasileira de Letras: “Uma das razões que tornam a poesia de Machado
de Assis fechada ao leitor moderno é o caráter reflexivo de sua expressão. Essa
é uma das características da poesia antiga desde Homero, passando por Virgílio
e Horácio, e imprimindo a sua marca aos poetas posteriores que, em qualquer
época, escreveram segundo o cânon antigo. A estes Horácio, Virgílio e Homero é
o que o Curtius chama de clássicos normais”. Esta foi a grande inovação
introduzida por Machado de Assis na poesia brasileira: a reflexão. Até então,
ela era caracterizada, sobretudo, pela descrição, eivada de metáforas, com
excessiva retórica, mas nada reflexiva. Expressava o que o poeta “sentia”, mas
não o que “pensava”. Era emoção em detrimento da razão.
César Leal disse mais: “A poesia lírica de Machado não
expressa apenas sentimentos, mas aquilo que ao pensamento vai sendo comunicado
pela reflexão. A reflexão tem o poder de multiplicar as combinações intuitivas,
anula os entusiasmos afetivos, geralmente carregados de retórica, retórica
prosaica e não retórica poética. Por exemplo, a retórica de um Homero, de um
Bucano, de um Shakespeare, de um Camões, de um Goethe, são retóricas que se
podem tolerar muito bem, e seriam até necessárias. Até mesmo o nosso Carlos
Drummond de Andrade tem momentos de alguma retórica”. Ou seja, Machado de Assis
conferiu à poesia objetividade, sem que essa viesse em detrimento da
sensibilidade.
Hoje, esse caráter reflexivo é trivial em qualquer poeta
moderno (ou pós-moderno), não importa a que “ismo” esteja vinculado. Todavia,
muitos esquecem que essa característica tem que ser creditada ao talento
poético, ao pioneirismo e ao caráter inovador do Bruxo do Cosme Velho. É normal
que seja citada, amiúde, “só” a influência que ele exerceu no conto e no
romance, estabelecendo novos parâmetros. Afinal são as categorias literárias
mais atrativas e, portanto, mais populares. Todavia não é correto afirmar que
ele fixou conceitos inovadores apenas nesses gêneros. Inovou, também, no
teatro, na crítica e... na poesia. Basta citar apenas dois poetas que Machado
de Assis influenciou para se ter uma idéia de sua importância nesse gênero (de
estilos e de épocas bem distantes uma da outra): Olavo Bilac e Carlos Drummond
de Andrade. Precisa acrescentar mais alguma coisa?
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Fico imaginando que sua criatividade em falar de Machado de Assis, Pedro, e as várias vertentes analisadas. Muito útil e agradável.
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