Entre os 100 mais geniais do mundo
O crítico literário norte-americano Harold Bloom – um dos mais polêmicos, mas também um dos mais
acatados analistas de literatura da atualidade – relacionou Machado de Assis
como um dos cem “gênios” das letras do mundo em todos os tempos. Ou seja,
classificou-o entre a uma centena dos inovadores que de fato criaram algo
realmente novo que tenha impulsionado decisivamente essa nobre atividade
artística e intelectual. Houve, como seria de se esperar, inúmeras contestações
à sua lista. Contudo, estas ocorreram não propriamente pelos nomes nela
incluídos, mas pelos que foram omitidos (eu sou um dos que notaram ausências
inconcebíveis). Não me consta, portanto, a existência de opiniões “contrárias”
à inclusão do nosso maior escritor nessa relação, mesmo não sendo tão
conhecido, em âmbito internacional, como milhares e milhares que ficaram de
fora.
Até porque, quem, eventualmente, se sinta tentado a
contestar a genialidade de Machado de Assis, não tardará em desistir dessa tentação
tão logo se aprofunde em sua obra. Sua qualidade é incontestável e ninguém que
a conheça, mesmo que só superficialmente, a contesta, a menos que não conheça
nada de literatura ou que não esteja em seu juízo perfeito. A lista de Harold
Bloom consta de seu livro “Gênio: Os 100 autores mais criativos da história da
literatura” (Tradução de José Roberto O’Shea; Revisão de Marta M. O’Shea,
publicado no Brasil em 2003 pela Editora Objetiva). Logo no prefácio, o ilustre
autor – professor universitário e titular das cadeiras de Humanidades (na “Yale
University”) e de inglês (na New York University) indaga: “Por que estes 100
autores?”. E a seguir, responde: “A certa altura, considerei incluir muitos
outros nomes, mas uma centena me pareceu número suficiente. Excetuando aqueles
que jamais poderiam ser omitidos – Shakespeare, Dante, Cervantes, Homero,
Virgílio, Platão e companheiros -, minha seleção é totalmente arbitrária e
idiossincrática. A lista não encerra, em absoluto, os 100 melhores, na
avaliação de quem quer que seja, inclusive na minha. Apenas estes autores são
aqueles sobre os quais desejei escrever”.
Essa observação, todavia, não diminui em nada a inclusão de
Machado de Assis nesta tão seleta (posto que tão polêmica) lista. Até porque
esse eminente humanista (afinal, é professor de Humanidades em uma das mais
renomadas universidades do mundo), homem de vastíssima e eclética cultura,
leitor incansável e profundo conhecedor da literatura ocidental, mais do que
justifica, nas 828 páginas do seu livro, o por que da sua opção pelos gênios
que relacionou. Não foi, portanto, escolha feita na base do “chute”, embora ele
tenha até dado a entender que sim. Bloom (que completará 75 anos de idade em
julho de 2015). conhece, e de sobejo,
cada um dos que escolheu. Inclusive, óbvio, Machado de Assis.
Diferente dos críticos brasileiros, o especialista
norte-americano salienta a negritude do genial patrício, que ele considera o
maior escritor negro de todos os tempos. Neste caso, vai, nitidamente, na
contramão de muitos dos biógrafos (a maioria) e experts tupiniquins que teimam
em afirmar que o Bruxo do Cosme Velho “renegava” sua origem africana. Não
renegava. É certo que não a apregoava aos quatro ventos (nem tinha porque
fazê-lo), mas jamais deu a entender, posto que remotamente, que esta o
envergonhasse ou constrangesse. Bloom centra sua análise no romance que
considera a obra máxima do autor brasileiro: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.
Sobre esse livro de Machado de Assis – a quem considera discípulo do irlandês Laurence
Sterne (1713-1768) – afirma:
“Brás Cubas, em suas Memórias Póstumas, recebe um bilhete da
amante casada, sugerindo que talvez o marido desta tenha descoberto a verdade,
e o herói se põe a refletir sobre a falta de uma reação coerente da sua parte.
Machado de Assis, o maior discípulo de Laurence Sterne no Novo Mundo, escreve a
sua obra-prima em 1880, em um contexto do Brasil escravagista, ele próprio neto
de escravos libertados. Porém, Machado, ironista genial, jamais ataca a
sociedade diretamente, mas através de uma comédia astuta e um niilismo
intimidante”.
E aduz: “A alienação de Brás Cubas é esplêndida, sua
amabilidade, maravilhosa: ele jamais sofre e, por conseguinte, jamais sofremos
com ele. Todavia, uma frieza misteriosa emana das suas Memórias Póstumas, obra
que contém atmosfera tão original que não permite comparação com qualquer outro
texto ficcional, a despeito do débito inicial com Sterne”. E completa, mais uma
vez salientando a ascendência negra do escritor brasileiro: “O gênio da ironia
propiciou-nos poucos exemplos à altura do escritor afro-brasileiro Machado de
Assis, a meu ver, o maior literato negro surgido até o presente. Machado de
Assis teria desprezado a minha observação, como mais uma piada digna de Tristam
Shandy”. Teria? Talvez sim, talvez não.
Ressalte-se que Bloom não é o único crítico literário
estrangeiro a destacar a genialidade do “Bruxo do Cosme Velho”. Com as recentes
traduções de alguns dos seus livros para outras línguas, ele tem sido
considerado, por especialistas de literatura e por artistas do mundo inteiro,
como "gênio injustamente relegado à negligência mundial". A relação dos
que se debruçam, embevecidos, sobre romances e contos machadianos é
extensíssima, dessas que, sem exagero, preencheriam dezenas e dezenas de
páginas apenas com seus nomes e nacionalidades.
Cito, a título de ilustração, somente alguns desses críticos
literários internacionais, os mais conhecidos, como, por exemplo, Giusepe Alpi,
Houwens Post e Edoardo Bizzarri, (Itália); Lourdes Andreassi e Abel Barros
Baptista (Portugal); Albert Bagby Jr., Helen Caldwell, Paul D. Dixon, Keith
Ellis, Richard Graham, David Jackson, Linda Murphy Kelley, John C. Kinnear,
Alfred McAdam, Samuel Putnam, Jack E. Tomlins, Carmelo Virgillo e Susan Sontag
(Estados Unidos); Jean-Michel Massa, Adrien Delpech, Anatole France, Pierre Hourcade e Victor Orban (França); John Gledson, John Hyde Schmitt e Tony Tanner
(Inglaterra); Albert Dessau e Dieter
Woll (Alemanha) e Edith Fowke (Canadá). Por tudo isso, assino embaixo a lúcida
opinião de João Cézar de Castro Rocha sobre nosso maior escritor, que destacou
que o gênio de Machado constitui-se de severo estudo, trabalho, e de uma
dedicação que "vai na contramão da cultura do fácil, do espontâneo e do
improviso, que ainda predomina no Brasil". Ou seja, sua genialidade não
caiu do céu. Foi resultado de disciplina, pesquisa, leitura e constante e até
científica observação.
Boa leitura.
O Editor.
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Vamos saboreando com gosto a sequência de ótimos pratos/sabores sobre Machado de Assis.
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