Abaixo a ditadura da estética!
* Por
Aliene Coutinho
Ele
sorriu. Eu vi. Mil coisas passaram pela minha cabeça. Há quase um
mês não ia à academia, havia deixado a dieta de lado, e a calça
jeans por pouco não passou das coxas. Ele sorriu. E foi para mim.
Seria realmente possível? Lembrei dos pôsteres e fotos das estrelas
do cinema e da tv guardados embaixo do colchão e que em noites de
pouca resistência às caixas de chocolate, olhava na esperança de
um dia parecer com elas. Eram magras, elegantes. Com certeza,
manequins 36, no máximo 38.
Mas,
ele sorriu para mim. Não dava para acreditar. E ali mesmo, perto
dele, mulheres se apinhavam, cada uma mais bonita que a outra, cada
uma mais magra que a outra. Algumas turbinadas, mas sem um centímetro
de gordura em excesso. Virei para trás, para o lado, e ele insistia
em me olhar. Contei até dez, não podia perder a chance e devolvi o
sorriso. Ele levantou e veio em minha direção.
Euzinha,
sem plástica, sem silicone, e com anos de terapia sem muito
resultado. A cada dia enfrentava menos o espelho. Da cintura para
baixo nem pensar. Por sorte, e genética, apesar dos quilinhos a
mais, meu rosto não parecia uma lua cheia. Meus seios eram
proporcionais e durinhos. Considerava minha boca e olhos até bem
razoáveis, e se recebi elogio na vida foi pelo meu sorriso: largo,
pontilhado de dentes brancos e perfeitos. Mas o resto...Bunda grande,
pernas grossas. Sempre foi assim, uma briga contra a balança.
Quando
criança, não podia comer doces e balas. Nada de massa. Refrigerante
jamais. Aprendi a engolir pão integral, queijo branco,iogurte,
leite desnatado e adoçante. Brigadeiro, bolo, chocolate eram
digeridos às escondidas e depois eu corria para o banheiro para
jogá-los fora, com toda culpa do mundo por estar fugindo das regras
e dos padrões. Se eu ligava a tv, lá estava ela, magra. Se ia ao
cinema, lá estava ela, magra. Se folheava revistas ou mesmo gibis,
lá estava ela, magra. Eu tinha certeza: para ser bonita, e aceita,
eu também teria de ser magra.
Mas
ele sorriu para mim. Não foi para mais ninguém. Caminhava com
passos firmes, sentou de frente. Eu nunca havia me visto nos olhos de
alguém como me vi naquele momento. Olhos verdes, expressivos,
contrastando com a pele morena. Nos vimos. Eu me permiti ser
observada em cada detalhe e não tive vergonha de ser o que era.
Desde então passei a acreditar que o jeans apertado tem lá seu
charme e que só mulher sabe o que é celulite e culote. E antes que
eu termine: sabe os pôsteres e fotos que eu guardava? Joguei no
lixo. Tirei uma foto corpo inteiro, coloquei numa moldura e pendurei
na parede do quarto.
*
Jornalista e
professora de Telejornalismo.
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