Criança no adulto
A
natureza é, mesmo, caprichosa, mas sumamente sábia. Dota-nos do
essencial para a vida – como o andar, falar, comer, sonhar, se
deslumbrar, temer etc.etc.etc. – na mais tenra infância. A maior
parte do que aprendemos depois é, senão supérfluo, indesejável e,
não raro, nocivo e até perigoso. Claro que não se pode
radicalizar. Apendemos, também, coisas úteis e até indispensáveis.
Mas...
Com
o passar dos anos, vamos deixando pelo caminho nossos sonhos,
fantasias e ideais de menino, como se fossem descartáveis,
trocando-os por valores que, de fato, pouco ou nada valem. Perdemos a
inocência e, como Adão no Paraíso após desobedecer a Deus,
constatamos que “estamos nus”.
Quem
consegue conservar, em essência, no fundo da alma, a criança que um
dia foi, se torna ou um líder, ou um revolucionário, ou um santo,
ou um grande artista. Quem não tem essa prudência... Tem que se
contentar em ser mais um, dos tantos seres humanos que povoam o
planeta, sem nada de original ou especial que o distinga.
Temos
que aprender a nos alegrar como crianças, sem que essa alegria
dependa de fatores externos, como coisas e pessoas. Ela deve brotar
espontânea em nosso coração pelo simples fato de estarmos vivos,
de podermos usufruir, de graça, das delícias da natureza, de um dia
de sol, da sombra amiga de um belo bosque ou do banquete de beleza
proporcionado por um jardim intensamente florido.
Vinculamos
nossa alegria a pessoas e coisas e quando as perdemos, raramente
sabemos como voltar a nos alegrar. João Guimarães Rosa escreveu um
belíssimo texto, com o qual muitos discordam, mas que concordo
plenamente, pela verdade que encerra. Diz: “Deus nos dá pessoas e
coisas, para aprendermos a alegria. Depois, retoma coisas e pessoas
para ver se já somos capazes da alegria sozinhos. Essa é a alegria
que Ele quer”. E nós, em nossa falta de entendimento, não
aprendemos a lição. Lamentamos a perda das pessoas e coisas e
mostramos que somos incapazes de nos alegrar sozinhos.
O
engraçado é que, quando um adulto age ou fala de forma imprudente,
sem o mínimo bom-senso, diz-se que está fazendo “criancice”. É
uma injustiça tola contra a criança, fruto de preconceito. Dá a
entender que tudo o que ela fala ou faz é um amontoado de tolices.
Não é! Dizemos e fazemos muito mais besteiras quando nos tornamos
adultos e ninguém diz que estamos fazendo “adultices”. Ademais,
a criança, se bem instruída e orientada, certamente será um homem
ou uma mulher notável, quem sabe, até, genial. E o adulto sem
instrução é melhor? Não! Claro que não!
Também
tem sempre que aprender alguma coisa, melhorar em algum ponto, se
informar, se instruir, se educar. Contudo, sua capacidade de
aprendizagem já não é a mesma dos tempos de criança. A educação
é um processo ininterrupto, que vai do berço à tumba. Reitero que,
mesmo que relutemos em admitir, trazemos em nós o menino (ou a
menina, no caso das mulheres) que um dia fomos. Muitos, todavia, o
sufocam, aprisionam, escondem e depois reclamam que são infelizes.
Não é de se admirar. Afinal, sem se darem conta, negam-se a si
próprios.
As
crianças são muito mais sábias, e práticas, do que ousamos
admitir. Contam com aquela sabedoria natural, primitiva, herdada de
gerações de antepassados, inscrita em seus genes, ainda não
contaminada por dogmas, teorias, discutíveis conceitos e caducas
ideologias. Perdemos a inocência original por nos esquecermos de
como éramos nessa fase da nossa vida. Não deveríamos.
Para
chegarmos ao menos próximos da sabedoria, não podemos, jamais,
deixar morrer em nós a inocência da infância. Não devemos nunca
sufocar a criança que vive em nós, mas lhe dar espaço e ouvidos,
para não nos deixarmos enredar por dogmas contestáveis e tolos e
vazios preconceitos, embora à revelia de críticas e de zombarias
dos néscios, que se julgam sábios.
Não
sou eu que o digo, mas o eminente psicanalista Carl Gustav Jung, do
alto da sua inegável autoridade de mestre no assunto. Ele escreveu a
respeito: “Falamos sobre a criança, mas deveríamos ter em vista a
criança no adulto, porque em cada adulto está escondida uma criança
– uma eterna criança, algo que está sempre crescendo, que nunca
se completa e exige incessante cuidado, atenção e educação”.
Não
importa, portanto, que ostentemos ares de sisudez, por achar que essa
postura nos confere respeitabilidade e maturidade. Não confere.
Aliás, o amadurecimento verdadeiro implica em não abrir mão das
experiências, até as mais pequeninas e aparentemente sem valor,
colhidas na infância. Por exemplo, tenhamos a idade que tivermos,
teremos, sempre, necessidade, até física, de brincar, de dar asas à
imaginação, de criar e viver fantasias.
Só
guardando essa simplicidade, essa capacidade imensa de se alegrar,
essa inocência primitiva, seremos amados e, consequentemente,
felizes. Devemos, portanto, manter a autenticidade, a transparência
e a pureza das crianças. Cristo já dizia: “Vinde a mim as
criancinhas, pois delas é o Reino dos Céus”. Ele será nosso
também, no entanto, caso não deixemos calar (ou morrer) o menino
que teima em habitar em nós.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Não via a situação dessa forma. Concordo que é preciso alguma fantasia e imaginação para suportar a rotina que nos esmaga.
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