Forma e conteúdo
O
texto literário bom, o que conquista, simultaneamente, corações e
mentes, o que nunca perde a atualidade e “imortaliza” o autor, é
o que apresenta, ao mesmo tempo, conteúdo e forma, num casamento
perfeito e indissolúvel.
Há
muita boa ideia, concebida com extrema felicidade, não raro até
genial, que se arruína em decorrência de uma escrita tortuosa,
mambembe, desengonçada, cifrada, obscura e, em boa parte das vezes,
eivada, até, de um sem-número de erros gramaticais, quando não de
mera grafia. Uma pena!
Sempre
que me cai nas mãos um texto com essas características, tão
defeituoso e relaxado, lamento e ao mesmo tempo fico com raiva de
quem, desperdiçou – por ignorância, pressa, ou na maioria das
ocasiões, preguiça – um assunto tão bom.
Em
contrapartida, há textos leves, coloquiais, fluentes, agradáveis,
rigorosamente corretos no aspecto formal que, à primeira leitura
encantam e convidam a uma segunda mas que... São como aquelas
laranjas com “sorose”, doença muito comum de frutas cítricas.
São bonitas, atraentes e aparentemente perfeitas por fora. Todavia,
você pode espremê-las o quanto quiser, que não sairá mísera gota
de suco. São textos vazios, ocos, rigorosamente sem conteúdo. Ou
seja, bonitinhos, porém ordinários.
Minha
reação ao ler peças com essa conformação é a mesmíssima de
quando leio as formalmente capengas: lamentação e raiva. O lamento
é pelo desperdício de talento. A ira decorre da falta de
substância, de cultura, de visão de vida do autor dessas
prosopopeias.
Qual
dos dois, forma ou conteúdo, é mais importante? Ambos,
evidentemente. Um sem a outra não prospera e nem vinga, e
vice-versa. Um texto que case ambas as características é o que
considero boa literatura. Há quem afirme que não existe a que seja
má. Para estes, ou o texto é literário (e portanto bom nos dois
aspectos), ou se trata de mera caricatura, de um monstrengo. Ou seja,
não é literatura e ponto. Acho esse raciocínio (embora o respeite)
radical em demasia, extremamente reducionista.
Na
elaboração de uma obra literária, há uma ordem óbvia a ser
seguida, que muitos sequer se dão conta. Primeiro é indispensável
que o escritor decida “o que” pretende escrever. Ou seja, é
mister que determine o conteúdo do texto que planeja produzir.
Convém
que o analise em seus mais variados aspectos, que seja humilde e
estude a fundo tudo o que lhe diga respeito, que pesquise o assunto
nas mais diversas fontes ao seu dispor, antes de formar juízo
definitivo a propósito.
A
seguir, vem a tarefa complementar, ou seja, “como” escrever. É
aí que muita gente se perde e arruína o que poderia ser uma
obra-prima. Alguns, por exemplo, confiam sem restrições em um
hipotético talento inato que nem mesmo têm certeza de possuir.
Outros acham que o produto final virá do céu, do ar, do nada, em um
súbito rasgo de inspiração, que guie seu cérebro e suas mãos
pelos meandros do idioma ou da gramática. Ou são enganados por
outra ilusão qualquer, de idêntico jaez.
Isso
tudo, claro, não irá acontecer. Recomenda-se ao escritor que, nesta
etapa da produção aja, por exemplo, como a maioria dos pintores.
Estes, antes de iniciarem a pintura de uma tela, elaboram diversos
esboços do que pretendem pintar. Muitos desses ensaios dos grandes
mestres são vendidos, anos após sua morte, a peso de ouro, nas
principais casas de leilão de artes, como a Sothesby ou a Christies,
alcançando cifras às vezes mirabolantes, que ascendem a alguns
milhares, quando não milhões de dólares (ou de libras, ou de
euros, como quiserem).
Quem
não gostaria de possuir um desses estudos, digamos, de um Rembrandt,
ou Van Gogh, ou Rafael? Eu, se fosse um sujeito endinheirado, também
pagaria fortunas por eles. E os exibiria na parte mais nobre da minha
casa, com o maior orgulho.
O
escritor que aposta na qualidade (e todos deveriam apostar) age da
mesma forma. Reescreve o texto quantas vezes forem necessárias, até
que se dê por satisfeito. Isso se eventualmente se der.
Perguntaram,
certa ocasião, a Paul Valéry – escritor, filósofo e poeta
francês, um dos expoentes máximos da escola simbolista – o que
era necessário para se escrever um bom poema. Ele respondeu
laconicamente: “palavras!”. Teria, por acaso, excluído o
conteúdo, em favor apenas da forma? Longe disso.
O
“o que” escrever estava implícito e, para ele era tão óbvio,
que sequer julgou necessário citar. Mas a forma, o “como”
escrever não pode jamais ser negligenciada; Afinal, não por acaso,
literatura é eufemisticamente classificada de “belas letras”.
Mas sem nunca dispensar o conteúdo, claro.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A poesia exige mais trabalho sobre as palavras, mas a prosa também precisa dele.E quanto mais se corta palavras, melhor fica.
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