Colapso instantâneo ou lenta
agonia
O
amor tem que ser vivido, sempre, no superlativo. Já escrevi isso “n”
vezes e, certamente repetirei essa verdade quantas vezes julgar
oportuno, já que se trata de um sentimento que não pode ser
“morno”. Se o for, torna-se enjoativo, insosso, intragável. É
vibrante (e tem que ser sempre assim) principalmente quando “ferve”.
Quanto mais intenso for, mais intensidade devemos tentar lhe
imprimir. Para o amor não há e nem pode haver limites. Quem já
amou ou está amando sabe do que estou falando. Falo do superlativo
dos superlativos. Os poetas criaram, até, estranha metáfora para
expressar o absolutismo desse maiúsculo sentimento: morrer de amor.
A rigor, convenhamos, ninguém morre dessa causa, claro. E se
morresse... seria morte gloriosa. Ninguém morre de amor, mas este,
mesmo que alguns não admitam, morre. E seu colapso pode ser tanto
instantâneo, fulminante, igual a um raio, quanto a morte pode ser
precedida de lenta agonia, que pode durar anos a fio. Ademais,
morre-se, também, de amor não-correspondido, o que é outra coisa.
A
falta de correspondência é frustrante, dolorida e brutal. Esse,
sim, é um sofrimento que não desejo nem para o pior inimigo. Mas
quando somos correspondidos! Ah!, os amantes conseguem a façanha de
transportar o céu para a terra. As pedras e espinhos não lhes ferem
os pés, frio e calor não os incomodam e um vê a vida (como
incrível magia) nos olhos do outro. É um delírio! Mário Quintana
expressa, em magnífico poema, a ventura de se amar e ser amado, ao
exclamar: “Tão bom morrer de amor e continuar vivendo!” Não
conheço felicidade maior. Mas, reitero, tem que ser vivido, sempre,
no superlativo.
Isso
me reporta, de novo (pois já escrevi a respeito algumas vezes), à
mágica crônica escrita por Nelson Rodrigues – ironicamente a
última da sua vida, que foi publicada na Folha de S. Paulo no mesmo
dia e na mesma página em que o jornal anunciou a sua morte –
intitulada, justamente, “Amor que morre”. O “anjo pornográfico”
encerra o quinto parágrafo desse marcante texto com esta
constatação: “Eis a verdade, quem experimenta o verdadeiro amor
já não sabe viver sem ele”. Não sabe, mas muitos não cuidam
dele. E ele, sem os necessários cuidados, tanto pode morrer, repito,
de forma fulminante – em decorrência, por exemplo, de alguma
agressão, moral ou física, não importa – ou lentamente,
desgastado pela rotina, pelo pouco caso, pelo egoísmo e por tantas e
tantas e tantas outras ações e/ou omissões, das quais nos
arrependemos muito tarde, quando não mais cabem arrependimentos.
Nelson
Rodrigues escreve, no sexto parágrafo: “Cabe, então, a pergunta:
pode-se saber quando um amor morre, ou por outra, quando o amor
começa a morrer? Nem sempre são as grandes causas que liquidam o
amor. Às vezes, ou quase sempre, o que decide é a soma de
pequeninos motivos. Um incidente mínimo pode valer mais que um
insulto grave, uma ofensa mortal. Por exemplo, um bate-boca. Eu vos
digo que é no primeiro bate-boca que o sentimento amoroso começa a
morrer”!. E não é? Basta observar o que acontece ao nosso redor
(ou conosco, o que é muito pior).
Nelson
Rodrigues explica isso melhor, no final do oitavo parágrafo: “Todos
os fracassos matrimoniais vêm da soma – repito – da soma de
todos os ‘não chateia’, de todos os ‘não amole’, que vamos
largando pela vida. A mulher que é simplesmente chamada de ‘chata’
teria preferido uma ofensa mais grave e mais brutal”. Essa é uma
das descrições da morte lenta, diria agônica, de um amor. Achamos
que se trata de um detalhe tão pequeno que não nos passa pela
cabeça que sirva de motivo para que uma pessoa deixe de amar outra
ou para a separação. Mas... serve sim!
Cabe,
aqui, um parágrafo sobressalente, à guisa de esclarecimento. O amor
não é um sentimento isolado, único, mas é um conjunto de
sensações e emoções (não raro contraditórias) que nos toma por
inteiro e preenche todo o nosso tempo, às vezes nossa vida inteira.
Pode até acabar, como vimos (e de morte natural ou provocada por uma
ou por ambas as partes), mas sempre haverá de nos deixar profundas
marcas, em que se misturam saudade e despeito.
Supera
as limitações do tempo, não tem passado ou futuro e é eterno
presente, mesmo que sobreviva só na recordação. Paradoxal, nos
proporciona o máximo do prazer e os mais intensos sofrimentos,
conforme as circunstâncias. É a feliz união entre emoção e
razão, o concreto e o abstrato, o instintivo e o racional. É,
simultaneamente, egoísmo e altruísmo, posse e doação, carne e
espírito. O jornalista e escritor Marcello Rollemberg define-o de
uma forma pitoresca e ao mesmo tempo, poética. Escreve: “Amar é
um eterno cerzir de emoções e busco meus fantasmas para flertar com
o passado”.
Faço
uma ressalva para os que não me conhecem e estão lendo texto meu
pela primeira vez. Detesto temas mórbidos. Raramente escrevo sobre a
morte. Sei que este é o destino inexorável de todos os seres vivos,
mas não vejo poesia e nenhum encanto nela, ao contrário de uma
infinidade de escritores que se compraz em trazer o assunto à baila.
Quase todos os poetas tratam desse tema. Eu, todavia, fujo dele.
Busco, isto sim, exaltar essa coisa rara e preciosa, que é a vida.
Dos mais de mil poemas que compus, em apenas três (notem bem, três)
falo da morte, e assim mesmo incidentalmente.
Voltando
à afirmação de Rollemberg, de que “amar é um eterno cerzir de
emoções”, sem discordar dele, ouso afirmar que é mais seguro não
deixar que esse fragílimo tecido afetivo se esgarce e até rasgue,
para não ser preciso cerzi-lo. Mas... voltemos a Nelson Rodrigues
que tem mais a nos ensinar do que eu. Atentemos para estas
observações de um homem sábio, feitas em seus derradeiros
instantes de vida, que concluiu dessa maneira a citada e magnífica
crônica “Amor que morre”: “Devemos reservar o melhor de nós
mesmos, de nossa delicadeza, de nossa cerimônia, de nosso charme,
para a mais secreta intimidade do lar. É menos grave chamar de
‘chato’ um embaixador, um ministro, do que o namorado, a noiva, a
esposa, o marido. Se respeitássemos o nosso amor, não seríamos tão
solitários e tão malqueridos”. Atentem com toda a atenção para
isso!!!!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Ando em intensa solidão. Os amores vividos passaram. Gostei demais do editorial.
ResponderExcluir