Goles acesos do Sr. Cunha
* Por
Pollyana Leticia
Hoje era dia do deadline na
redação. Saí de lá onze e meia da noite, andei uns três
quarteirões, e fui em direção ao bar do Márcio.
Sentei, e pedi uma dose de
vinho, não sei bem ao certo porque escolhi engolir isso, não
sei...Mas, vai ver que realmente eu estava precisando... Na verdade,
eu não queria confessar, mas... Ando meio cabisbaixo com algumas
neuroses inchadas pelo meu amarelado estresse. Será que a anemia
voltou a me perturbar? Sei lá! A vida de um jornalista, de vez
quando, é amarela, outras vezes fica roxa pelas horas que mergulha
no céu de pautas, e chega até ficar preta pelos processos
jurídicos.
E, para alegrar o começo da
semana, lá estava eu, na tentativa de fugir das medíocres pessoas
tidas como justiceiras, a quererem processar-me por uma mediocridade,
que não pretendo nem ao menos citar. Simplesmente medíocres
adoradores de tamanha mediocridade.
Márcio ofereceu um cigarro, e
eu pedi mais uma dose. Não hesitei, que a insônia me convidaria
para mais uma madrugada a curtir desabafos, fumaças e a entregar-me
a frios banhos no meu box. Oh! Que a brisa se despedia logo mais
cedo. Oh! Que o inferno espera por um pouco do meu ‘eu’.
Mas, ainda no bar, reparei
aquela gente toda; aquela risada á toa; aquele barulho de brindes;
aqueles lamentos femininos por algum fato que alegam ser as mais
infelizes das deusas; aquela algazarra toda por causa de um truco. E
eu ali, parado a observar. Meus olhos deviam estar vermelhos,
dane-se.
Pedi mais uma. Logo em
seguida, alguém se aproximou do balcão. Era uma moça, trajada de
preto, com alguns piercings no rosto. Pediu uma também. Parecia que
ela queria falar algo, parecia que ela precisava de algo.
Por que eu sempre me encontro
a pensar que todos precisam de mim? Por que eu sempre me encontro a
carregar os problemas dos outros, pelo simples fato de confiar no meu
taco? Taco esse que me engana. Ela me olhava e talvez pensasse: “O
que será que esse velho tem que se debruça nos vícios?”.
Acho que acabo mesmo
acreditando muito na minha modéstia, mesmo que ela venha maquiada
ora pelo desânimo, ora pela desilusão. Não sei. Mas eu é que ali
precisava de ajuda. E eu digo que era uma questão de urgência
emocional.
Quando dei uma pausa nos meus
delírios, me peguei indo embora daquele lugar. Lembrei que o
Drummond estava à minha espera. Admito, como uma criança boba que
não sabe mentir, que no caminho deixei cair pelo menos seis
cigarros. E já ansiava por uma pouco de café.
Abri a porta, e Drummond já
tinha se recolhido. Então, resolvi ir ao banheiro a ler algo de
novo. As manchetes já não mais me atraiam. Acredito que seja por
causa do meu estado de espírito que queriam um abrigo num segundo
plano.
Ousei não cozer nada que
saísse do trivial: dois ovos mexidos e um pouco de feijão de ontem
poderiam fazer diminuir as minhas dores de estômago. Essas são as
minhas heranças desde o tempo de escola. Relutam em perseguir o
velho Cunha.
Com um barulho e outro, o
Drummond deu o ar da sua graça. Talvez fosse pelo cheiro dos ovos.
Aproveitei, então, pra conversar com ele, a respeito de uma adoção.
Drummond abaixou a cabeça.
Nem me desafiou com um latido,
nem balançou a cauda, nem colocou as patas nas minhas pernas, nem
nada. Eu sei da minha idade, mas nem Buda nega-se a dizer o dia do
meu fim. Pois bem, falei ao meu companheiro da Claricinha, ele nem se
moveu.
Deixei de lado todo esse
monólogo e fui até a estante parda de madeira. Recordei da minha
família, e fingi recordar da que eu não construí. Vi alguns versos
rascunhados, alguns boletos bancários, um boneco da edição
anterior do jornal, um porta-retratos de alguns oito bons amigos da
universidade e acabei por achar o meu tarô.
Espalhei as cartas sobre a
mesa e acabei por ver os riscos do Sol mais uma vez. Falei, pra mim
mesmo, que hoje era domingo, e não arrisquei a pegar a minha velha
bengala e sair do portão pra fora. Resolvo cochilar, porque isso me
dá fome, e em seguida, estou certo de que a fome será um bom motivo
pra mais um desmaio na cama.
Só assim eu posso ser um
amante da Lua. Só assim posso conspirar às regras da maioria. Só
assim perceberão que eu ainda arraso, que eu troco o meu coração
por um fígado, e que podem falar quanto quiserem, porque eu desfecho
com um: f...-se.
Ah! E não cogitem em retrucar
que, aí sim, eu mostro como se faz na minha terra.
*
Jornalista do Tocantins
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