Uno
* Por
Eduardo Oliveira Freire
F
acordou estranho, teve um pressentimento de que algo lhe aconteceria.
G sentiu a mesma coisa. F era perdido. G era achado desde nascença.
Apesar
de diferentes tinham algo em comum: sentiam-se incompletos e
procuravam algo que os completasse.
Na
cidade, os dois se encontraram. Olharam-se e se reconheceram. Eram
iguais, feitos do mesmo barro. No primeiro momento tiveram medo.
Lembraram-se
de uma lenda muito antiga que a família de ambos contava:
Doppelgänger, segundo a lenda, é um monstro ou ser fantástico que
possui o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa que
ele escolhe ou que passa a acompanhar. Ele copia tudo, até
mesmo as características internas mais profundas do indivíduo.
Mas,
a curiosidade de G e F foi mais forte e, também, perceberam que
apesar de serem iguais na aparência, eram diferentes na essência.
Na realidade, os dois espelhavam o que idealizavam ser. G queria ser
bem sucedido como F aparentava e F aspirava ter a autenticidade que G
espelhava.
G:-
Olá cara, que doideira é essa?
F:
-Não sei, mas não estou surpreso, parece que já o conheço.
G:
-Eu também, como se você fosse minha extensão.
F:
-E você a minha.
G:-
Vamos dar uma volta.
Atravessaram
a cidade e nem perceberam os olhares curiosos das pessoas. Entravam
num terreno misterioso e as pessoas que os viam, sentiam isso. Eram
dois que se tornavam um, aproximando-se da totalidade quase divina,
que se satisfaz em si. Narciso foi punido por isso: bastava-se.
Conclusão: foi punido pelos Deuses. Várias mulheres e ninfas
apaixonaram-se por Narciso. Mas ele não gostava de nenhuma delas. A
ninfa Eco não aceitou a indiferença de Narciso e afastou-se
amargurada para um lugar deserto, onde ficou muito exaurida. As moças
recalcadas pediram aos deuses para vingá-las.
G
e F ouviram uma sirene. De repente, os transeuntes começaram a se
juntar perto deles, com rostos de ameaça e gritavam pela polícia.
Fugiram
pela rua, até encontrarem o carro de G. Não tinham para onde ir. Ao
celular a família de ambos gritava com eles, dizendo que estavam
condenados para sempre. F resolveu ir para casa da avó. Lá, a
senhora estava na porta esperando por eles.
-
Entrem, o lanche está na mesa. Precisam comer um pouco.
Devoraram
tudo e ficaram num silêncio tranquilo. A senhora olhou através da
janela o final da tarde:
-
Precisam ir. Os outros chegarão rapidamente.
F.
: - Por que nos perseguem?
A
senhora: - Vocês entraram em um espaço mítico.
G.:
- Senti isso quando vi você, F. Nada será como antes.
F.:
- Realmente, precisamos nos apressar.
Na
estrada, os dois dentro do carro viviam uma comunhão. Estavam
serenos e não desejavam mais entender, apenas conviver com o
mistério. Ao se aproximarem de uma curva fechada, foram envolvidos
por uma neblina esverdeada e desapareceram.
A
avó de G. parou de regar as flores:
“Finalmente,
ficarão bem”.
*
Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural
e aspirante a escritor - http://cronicas-ideias.blogspot.com.br/
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