O
remédio é a permuta
*
Por Marcelo Sguassábia
– Nossa
rede de farmácias tem uma oferta irrecusável pelo seu terreno, Sr.
Álvaro.
– Bom,
não tá à venda. Mas dependendo do que você tiver aí na manga,
não sou louco de não aceitar…
– O
senhor sabe que está todo mundo mergulhado até o pescoço nessa
crise, e a oferta de imóveis excelentes para vender é enorme.
Terrenos semelhantes ao seu, nesse bairro, há pelo menos uns vinte
anunciados.
– Tá,
pode pular essa parte.
– Indo
direto ao assunto: só fazemos negócio à base de permuta.
– Não
estou entendendo. O que uma rede farmacêutica vai querer permutar em
troca do meu terreno?
– Óbvio:
remédios. Todos os que o senhor e sua família precisarem.
– Oi????
– O
senhor já parou para pensar o peso que tem o gasto com medicamentos
no seu orçamento doméstico? Basta fazer uma conta por alto, assim
de cabeça, e vai se assustar com o resultado. Fica entre 7 e 20% das
despesas mensais. Um percentual que vai aumentando conforme a família
envelhece.
– Maluco
isso…e quem da família pode aproveitar essa permuta?
– O
senhor, sua esposa, seus filhos, netos, genros, noras, sogros,
cunhados e parentes até o segundo grau. Do seu ramo familiar e da
sua mulher também. E é vitalício, o contrato vale até que todos
morram. Mas o terreno tem que vir como doação para a Rede
imediatamente, com escritura em cartório, tudo direitinho.
– Mas
eu posso morrer amanhã! Aí dessa permuta eu não aproveito nada…
É cada uma que me aparece!
– Veja,
com tantos remédios à sua disposição, vai ser difícil o senhor
morrer tão cedo. E, se morrer, vai deixar uma bela herança em saúde
para a família toda.
– Só
que o meu terreno vale 2 milhões!
– E
quanto vale a saúde da sua família? Seu neto, por exemplo, pode vir
a precisar de um remédio caríssimo, de uso diário… Será tudo
por nossa conta. A única possibilidade do senhor fazer mau negócio
é se sua família inteira estiver a bordo de um avião que venha a
cair e mate todo mundo. Aí não dá para fazer nada mesmo.
– Nossa,
seria azar demais.
– Só
que tem alguns pontos importantes, previstos em contrato, para a
permuta não virar bagunça. O senhor pode ter parentes
hipocondríacos, e aí vamos ter prejuízo. Outra coisa: hoje em dia
farmácia vende de tudo. Tem chocolate, isotônico, recarga de
celular, barrinha de cereal, bronzeador, batata frita… Então é
bom que fique bem claro que a permuta é para medicamento. E tem que
haver uma perícia com um farmacêutico da rede, para saber se o
remédio requisitado condiz com o quadro do paciente.
– Sei.
E vai ter farmacêutico de plantão na farmácia?
– Ahnnnnn….
bem… o que eu quero dizer… Olha, tem que ter a autorização de
profissional habilitado. Se não tiver farmacêutico aqui na hora, o
gerente liga para a central da rede e a gente envia um para fazer a
perícia. Esse ponto precisa ficar bem entendido.
– Que
prazo eu tenho para dar uma resposta?
– Meia
hora. A máquina de terraplenagem já está vindo para cá.
– Calma
aí, queridão. E se eu não quiser fechar negócio?
– Sabe
aquele outro terreno, atravessando a rua? Já está vendido para nós,
caso o senhor não aceite.
*
Marcelo
Sguassábia é redator publicitário. Blogs:
WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e
WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
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