Sorriso
da sociedade
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Por Afrânio Peixoto
Não
tenho motivos para modificar minha definição de Literatura... A
Literatura, ou as belas-artes, comparei-as ao sorriso da sociedade
porque só nas épocas felizes a gente sorri. Nas de apreensão e
tortura não há sorriso. O erro dos que, sem atentarem bem para ela,
combateram e combatem minha definição, está em que eles supõem
que eu tenha dito "sorriso do homem", quando o que eu
escrevi foi "sorriso da sociedade". Está claro que não
poderia nunca dizer que a Literatura é o sorriso do homem: primeiro
porque este, para mim, não existe, não passa de simples elo de uma
cadeia infinita; e, segundo, porque não ignoro que toda grande obra
é feita, com a gestação, na dor. Mas só um ambiente social
tranquilo e feliz permite o aparecimento de um livro notável. No
tempo de Balzac, como havia abastança social, o autor de Père
Goriot pôde dedicar-se a criar vida para gozo da sociedade. E só
uma sociedade feliz aplaudiria Balzac. Das torturas de sua doença e
de suas prisões na Sibéria, no cárcere e no hospital, Dostoiévski,
através de seus livros, saía de si para a sociedade que o admirava.
Insisto
que o equívoco está em imaginarem que eu tenha escrito que a
Literatura é o sorriso do homem. Só um louco diria isso, pois, de
acordo com semelhante conceito, apenas os soberanos, os ricos, os
poderosos fariam letras. E é sabido que estes, em geral, nada
produzem que se aproveite. Uma raiz atormentada, no fundo da terra,
desabrocha nas flores de um vergel. A arte é o sorriso da sociedade.
Pouco importa que o artista, pessoalmente, sofra. "De minhas
penas fiz canções aladas", disse Henrique Heine, e a sociedade
feliz, que o admirava, o aplaudiu. Agora, nem os ricos, os poderosos,
os felizes conseguem realizar obra de arte, porque a sociedade
sofredora não sorri... A Literatura não pode vir da indiferença ou
da preocupação. A poesia já morreu, ao menos provisoriamente. Os
romances são reportagens ou confissões. Quando muito, vidas
romanceadas. Ensaios e mais ensaios... Em Bizâncio era gramática e
teologia. Agora, no Brasil, política e ortografia. A volta da
Literatura será prenúncio de bom tempo. Que venha!
(Apud
Homero Senna, República das letras, pp. 101-102.)
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Médico,
político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista e
historiador, membro
da Academia Brasileira de Letras.
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